Resenhas

Brockhampton – GINGER

Novo disco da autointitulada boyband não carrega a mesma genialidade de sua trilogia de estreia, mas acerta em cheio ao expor as vulnerabilidades de seus integrantes

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Ano: 2019
Selo: RCA
# Faixas: 12
Estilos: Rap, Rap Alternativo, R&B
Duração: 44'
Nota: 3.5
Produção: Romil Hemnani, Jabari Manwa e Kiko Merley

GINGER, novo álbum do Brockhampton, chega ao mercado menos de um ano depois de iridescence (2018), o primeiro trabalho da autointitulada boyband após a fantástica trilogia SATURATION, lançada toda em 2017. Portanto, não perca as contas: GINGER é nada menos do que o quinto álbum lançado pelo grupo em pouco mais de dois anos. E a velocidade com que os discos saíram, ao contrário do que se possa imaginar, não interfere na qualidade das obras. Pelo contrário, a pressa é muito mais urgência em desafogar sentimentos e funciona tão bem por conta do impressionante talento dos amigos de San Marcos (Texas) que se conheceram em um fórum de discussão sobre Kanye West em 2015.

Mas a missão em GINGER era sinuosa. Além de inevitavelmente jogar o sarrafo lá no alto com a trilogia, iridescence, ainda que bem-recebido, mostrou um grupo juntando os cacos depois de um ano intenso. Vamos à recapitulação da breve e maluca montanha-russa recente do Brockhampton: 1) uma trilogia aclamadíssima lançada em alguns meses 2) o posto de grande revelação de 2017 para público e crítica 3) shows nos principais festivais do mundo 4) assinatura de contrato com grande gravadora 5) acusação de assédio sexual de Ameer Van, um dos fundadores do grupo 6) expulsão de Ameer 7) iridescence no topo do Billboard 200. Tudo isso do fim de 2017 para cá. GINGER, ao menos após a primeira reação pós-trauma em seu antecessor, poderia ser a primeira resposta mais calma, com a poeira já baixa. Poderia ser e, mais ou menos, até que é. 

A primeira frase do disco, cantada por Kevin Abstract, é “I don’t know where I’m goin’ / If I gotta take the high road, I’m rollin’” (“Eu não sei para onde estou indo/ Se eu tiver que pegar a estrada, estou rolando”) e, por mais clichê que pareça, ela dá o tom de como andam as coisas por ali e para onde vamos ao ouvir GINGER. Em entrevista ao Genius, o grupo contou que a capa, uma foto de um caloroso abraço entre Joba e Weston (assistente da banda), foi tirada espontaneamente após uma longa, intensa e chorosa terapia em conjunto feita por todos os 15 integrantes do coletivo. E GINGER soa como isso mesmo: o primeiro momento de reconciliação após uma grande ruptura. Mas, claro, a aproximação da redenção não é a redenção em si e o caminho não se dá sem uma boa dose de angústia. 

Na abertura, um Rap Pop baseado em uma linha de violão, cada integrante solta versos sobre as incertezas da vida e aponta para o clima dançante-soturno do projeto. Na bela “SUGAR”, uma balada Trap com refrão pegajoso do convidado Ryan Betty (o mesmo de “BLEACH”), Dom McLennon prova porque é o MC mais prendado do grupo dessa vez com o autotune até o talo, e Bearface mostra toda sua competência vocal com falsetes e precisão nos graves e agudos. O segundo, entretanto, soa um pouco deslocado em alguns momentos do repertório do disco – como em “NO HALO” – e nos faz pensar se não ele renderia mais lançando, também, um projeto solo. De qualquer maneira, a porta giratória de talentos no Brockhampton é tão frenética e a estética de boyband tão consolidada, que ainda resiste à ideia de que cada um deve ter a sua partezinha nas músicas – e certamente muitos fãs amam o jogral. 

A trinca de produtores formada por Romil, Kiko e Jabari segue afiada e com um leque de sonoridades que os coloca entre os mais quentes dessa geração. Influências de Timbaland, Kanye West e Pharrell são claras, mas os três são ainda mais desimpedidos que seus ídolos ao mesclar influências – do Rap ao Pop radiofônico, passando pelo Emo old school e o R&B dos anos 1990 – e o saldo é uma assinatura muito original. “IF YOU PRAY RIGHT”, o grande single do álbum, é um beat levado por um soluçante trombone ecoando sob versos em busca de redenção – referência a “If You Pray Right (“Heaven Belongs To You”), de Nina Simone. “HEAVEN BELONGS TO YOU” é também título de um interlúdio de GINGER. “BOY BYE”, outro carro-chefe do disco, traz mais uma produção contagiante e até festiva e tem Dom abrindo seus versos com “Everybody ask me how I deal with my depression / Man,  look, man, I don’t got the answer to your question” (“Todos me perguntam como lido com minha depressão / Olha, cara, eu não tenho a resposta para sua pergunta”). O Brockhampton invariavelmente segue a linha de Tom Waits, que diz gostar de “belas melodias dizendo coisas horríveis”. Aqui, as coisas ditas não são necessariamente horríveis, mas, diversas vezes, são amarguradas e melancólicas.

A angústia atinge seu ápice em “DEARLY DEPARTED”. Com uma base psicodélica que parece uma jam session bem descompromissada do Dark Side Of The Moon, a canção fala sobre perdas de pessoas próximas e traumas da vida e remete, obviamente, à saída de Ameer. O destaque, mais uma vez, é o verso furioso e nada conciliador de Dom ao final – “How many sides to a story can there be when you saw it with your own eyes?” (“Quantos lados pode haver em uma história, quando você viu tudo com seus próprios olhos?”) 

Durante a segunda metade da tracklist, o caldo desanda um pouco e a mistura dá uma empapuçada. “I BEEN BORN AGAIN” traz uma experimentação que soa redundante, perdendo seu potencial de banger, e “GINGER” não é das tentativas mais inspiradas do Brockhampton em explorar BPMs acelerados, como fez tão bem anteriormente em “HOTTIE”. Joba – que aparece em GINGER de forma bem menos imprevisível do que de costume –  tem sua aparição mais brilhante no emotivo verso de “BIG BOY”, mas a faixa perde gás pela falta de um refrão mais poderoso, como normalmente ocorre nas canções do grupo, principalmente através de Kevin. Joba canta “sou fraco e digo isso com orgulho” e o disco todo perpassa essa ideia: a de que o primeiro passo para uma evolução é se permitir estar vulnerável. E, por mais que o Brockhampton não traga tantos temas exatamente político-sociais no disco – a causa LGBT não aparece tão protagonista como em álbuns anteriores –, a rejeição ao cinismo e a comovente “falta de vergonha” em anunciar-se frágil é, sem dúvida, libertária. Há subversão em ser sincero, principalmente consigo mesmo. 

O grupo/a boyband, que às vezes lembra Bone Thugs ´N Harmony pelo refrão R&B ganchudo; Boyz II Men ou NSYNC pelo sentimentalismo e as linhas melódicas ensopadas de Pop; ou até  BTS ao presenciarmos os trejeitos tão ensaiados dentro de figurinos harmônicos durante um show; com GINGER, parece dar, não sem um custo, mais um passo ao reencontro com seus dias mais solares. E, mesmo que o resultado não cumpra a complicadíssima missão de empolgar tanto quanto a (já) fase de ouro da trilogia de estreia, a ebulição criativa dos garotos segue claramente a todo vapor e com lampejos geniais. Deixa os garoto brincar – e, eventualmente, chorar também.

(GINGER em uma música: “If You Pray Right”)

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ARTISTA: Brockhampton
MARCADORES: R&B, Rap, Rap Alternativo