Resenhas

Brockhampton – Roadrunner: New Light, New Machine

Abrindo-se mais do que nunca para parcerias, coletivo aumenta o volume das guitarras e imerge em tragédias pessoais de forma intensa e fragmentada

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Ano: 2021
Selo: RCA/Question Everything
# Faixas: 13
Estilos: Rap, Rap Alternativo
Duração: 46'
Produção: Brockhampton, Chad Hugo e outros

Em agosto de 2019, Ginger, quinto disco de estúdio do Brockhampton, foi lançado com uma capa marcante: um afetuoso abraço entre Joba e Weston (assistente do coletivo). A fotografia foi tirada após uma longa sessão de terapia em conjunto realizada por todos os 15 integrantes do grupo de San Marcos, Texas – radicado em Los Angeles há mais de quatro anos. Bem aos moldes do que sempre caracterizou a autointitulada boyband, a imagem expressava o vínculo e a cumplicidade sem concessões, fundamentais a toda a sinergia – musical e pessoal – desse bando de garotos talentosos que impressionou o mundo com a trilogia Saturation, em 2017.

Agora, em ROADRUNNER: NEW LIGHT, NEW MACHINE, essa unidade coletiva e o espírito de “um por todos, todos por um” aparecem de forma ainda mais intensa e por motivos dos mais dolorosos. No ano passado, em meio à quarentena, o pai de Joba se suicidou. Mais do que permear toda a atmosfera do repertório, a tragédia tão cruel fez com que a persona de Joba – a mais imprevisível e inquieta do grupo, como podemos comprovar a partir dessa compilação – se transformasse em linha de frente criativa do disco. Não à toa, é ele quem estampa a capa.

Ainda que guarde paralelos com seu antecessor, ROADRUNNER é mais desesperado, urgente e sombrio do que Ginger, mesmo que algumas faixas tragam uma energia expansiva – e, talvez por isso estejam reservadas para as colaborações, nada comuns na discografia do Brockhampton. A abertura, “BUZZCUT”, carro-chefe do disco, traz uma aparição explosiva de Danny Brown, que cai como uma luva; “CHAIN ON” firma um encontro necessário com JPEGMAFIA em um beat embebido de Dr. Dre – que também parece influência de “Windows”, com o apadrinhado SoGone So Flexy e falta de um refrão mais forte. Já “COUNT ON ME” coloca para dançar a partir de um hipnótico assobio, versos de A$AP Rocky e refrão cheio de mel Pop encabeçado por Shawn Mendes. (Ambos não foram creditados na faixa).

Rocky, aliás, aparece sutilmente também (dessa vez creditado) em “BANKROLL”, um dos maiores bangers do disco, com um grave percussivo arrasador – e baixo e bumbo em sintonia precisa, num nível Flea & Chad Smith. Mas, apesar de momentos até efusivos, o repertório é marcado por seu astral soturno. “The Light”, com guitarras carregadas, Hammond fantasmagórico e Joba abordando o suicídio de seu pai escancaradamente pela primeira vez, é mordaz e sofrida. Tem algo do Kanye de MBDTF ali, mas é mais uma união insana entre psicodelia dos anos 1970 e Eminem. Joba, claro, é o protagonista da faixa, mas Kevin Abstract também contribui com verso poderoso sobre inseguranças e a dialética entre vida pública e vida familiar (“I love the attention, I’m a bastard in public / I still struggle with tellin’ my mom who I’m in love with”).

A impressão é a de que certas tendências vez o outra mostradas na trilogia Saturation e nos trabalhos seguintes, aqui, foram exploradas bem mais livremente. Lá, os flertes com o Rock (“Dearly Departed”), o EMO (“Milk) e o Pop mais melado (“Swim”, “Sugar”) não caracterizavam os trabalhos, mas, em ROADRUNNER, essas incursões se juntam anarquicamente – e nem sempre com o mesmo apuro. “I LL TAKE YOU ON”, com aparição discretíssima de Charlie Wilson, é uma investida House-R&B que parece mirar na Janet Jackson dos anos 1990 e, por vezes, acertar em New Kids On The Block; “OLD NEWS”, talvez a mais esquecível do projeto, tem um refrão rasteiro e um loop de guitarra bobinho, ainda que Joba eleve o nível ao fim – o que acaba nos deixando curiosos para um trabalho solo dele; “WHAT’S THE OCCASION?”, também baseada em guitarras, chega a lembrar Twenty One Pilots e desemboca em um brusco final épico-roqueiro, com toques de Glam. ROADRUNNER não tem muito a ver com coesão e estrutura, é uma expressão fragmentada e de explosões fracionadas, característica que – consumando o que começou em Iridescence e Ginger – afasta o grupo não apenas dos ganchos memoráveis e grudentos de Saturation­, como também de sua face mais cândida.

Mas talvez também por conta de tantas miras espalhadas sobre espaço para coisas como “WHEN I BALL”, brilhantemente produzida por Chad Hugo (!). A canção, solar e de ares nostálgicos, chega a destoar do resto do repertório com seu jogo de cordas exuberante e coros acolhedores nos backing vocals. O tema, porém, segue a linha que parece perpassar, em diferentes graus, todas as letras do disco: família. “Watched uncles going on vacation for a couple years / Whеn they came back, they needеd clothes, and had no souvenirs”, diz o comovente verso de Dom McLennon, indiscutível melhor MC do grupo, que explora os traumas familiares causados pelo sistema prisional.

Com inspiração evidente no synths do G-Funk, “DONT SHOOT UP THE PARTY” é outro ponto alto do álbum e a performance raivosa de Kevin rouba a cena. Daquelas que vão levar os fãs ao delírio nos shows, a letra tem alguns conflitos que evidenciam certo rebuliço temático que soa no mínimo estranho:  após Kevin abordar contundentemente o racismo, Matt Champion fala coisas do tipo “Kiss my ass, treat my balls like it’s mistletoe”, para que, depois, Joba se questione por que o pai está segurando uma arma. Uma confusão só, mas amarrada pelo beat contagiante e o refrão entusiasmado. E falando em confusão, Bearface, o crooner do grupo, surge de repente com o Gospel “DEAR LORD”, composta em homenagem a Joba. “THE LIGHT PT. II” dá números finais ao disco com um riff (de novo) de guitarra, aliada uma progressão vocal ociosa, em coros, ao fundo. É uma música que, claramente, foi feita em nome da letra, com Joba – em um flow 100% Kanye – imergindo totalmente em sua tragédia pessoal. (“Even though I’m mad, even though you’re gone / You live on, and the day I have kids / And tell ‘em ‘bout Grandpa and how great he is / And the grandkids’ grandkids / You’ll never meet if it weren’t for you/ I wouldn’t be, neither would they”).

Seja ROADRUNNER – que tem um volume II previsto ainda para esse ano – ou não o último disco do Brockhampton, como os integrantes têm dito por aí, ele soa como uma volta para a casa. Mas esse retorno não é exatamente redentor e caloroso. Vem cheio de traumas e cicatrizes acumuladas durante essa meia década maluca vivida por um grupo de amigos que nunca abre mão de acolher as dores uns dos outros. É uma expiação profunda que, em meio à melancolia, tenta, enfim, encontrar alguma luz.

(ROADRUNNER: NEW LIGHT, NEW MACHINE em uma faixa: “THE LIGHT”)

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ARTISTA: Brockhampton