Resenhas

Brockhampton – Saturation II

Coletivo de rappers faz disco surpreendente

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Ano: 2017
Selo: Question Everything, Inc
# Faixas: 16
Estilos: Hip Hop, Hip Hop Alternativo
Duração: 48:02
Nota: 4.0
Produção: Romil Hemnani, Q3, bearface, Kevin Abstract, JOBA

Interessante este Brockhampton, hein? Por vários motivos, especialmente por dois: é um coletivo de umas quinze cabeças, que inclui os artistas propriamente ditos e mais uma galera de produtores, diretores de arte, designers, coisadores de mil detalhes e tudo o necessário para gravar singles, mixtapes, álbuns e lançá-los digitalmente, aproveitando as possibilidades da Internet e do mundo digital musical. Se essa organização estrutural garante êxito operacional, ela de nada adianaria se não existisse um produto interessante para ser veiculado, certo? Certo. Só que há: os sujeitos são versados na arte do Rap, com um apreço especial a algo que parece fadado a desaparecer do mapa, quando se trata do estilo: melodia. Sim, Brockhampton faz canções com samples de pianos, guitarras, vocais de apoio, recuperando com vigor um dos maiores e mais importantes pilares do estilo, que é a subversão temporal das canções, se apropriando delas e ressignificando-as. Tudo é pouco polido e com um olho na doçura. E isso, hoje em dia, gente, é um diferencial e tanto.

Na ficha técnica de Saturation II, segundo álbum dos caras e o terceiro lançamento deles, numa carreira que também inclui a mixtape All American Trash, de 2015, há as interessantes atribuições de assistente criativo, gerência, publicidade e – a melhor de todas – consultor jurídico. A despeito disso soar, digamos, empresarial demais, o espírito que reina entre essa galera do Texas, é de respeito à música e, acima de tudo, preservação de uma independência criativa, algo que costuma deixar de pertencer a artistas quando estes se juntam a grandes gravadoras e editoras. Como isso é uma prática meio anacrônica, talvez a estrutura de Brockhampton não seja lá tão necessária, mas, tudo isso é menos importante que a música produzida pelos caras.

Com a liderança de Kevin Abstract e tendo se unido a partir de um fórum de fãs de Kanye West há menos de dois anos, dá pra notar que a carreira de Brockhampton está indo bem. Com um talento musical acima da média, o grupo tem um apreço pela sonoridade doce das boy bands americanas dos anos 1990, mas com o cuidado de usá-lo apenas como referência num universo Rap com uma sintonia total com a modernidade. O resultado se traduz em forma de canções e vinhetas com flows mais contidos e samples que alternam uma musicalidade mais “orgânica”, além de usar instrumental próprio, com teclados e guitarras. Em alguns momentos o resultado é muito bom, caso de canções como Swamp (que tem teclados por todo o caminho, fazendo clima com samples de cordas) e a faixa de abertura, Gummy, outra criação com samples de cordas, que são abandonados, logo no início, em favor de mais teclados, que lembram temas de filmes de terror B.

Há momentos que beiram o sensacional por aqui: Tokyo é cantada em falsete com um clima nipônico que se traduz nos vocais de apoio e no acompanhamento musical, gerando um efeito que oscila entre a paródia e a malandragem. Chick também é sensacional, com batidas levinhas que vão ganhando peso ao longo da canção, enquanto Sunny e Summer formam uma dobradinha de festa lá pro fim do álbum, sendo que a última pretende tangenciar sucessos radiofônicos oitentistas, ficando num adorável meio do caminho entre Commodores e New Kids On The Block, com direito a solo de guitarra com duração muito acima do usual. Gênio.

Com pouquíssimo tempo de estrada e uma impetuosidade fora do normal, Brockhampton já é realidade e chega com tudo para bagunçar as opiniões dos críticos, com grande chance de levar o coração dos fãs no meio do processo. Não importa, quem sai ganhando é quem reconhece o brilhantismo do álbum.

(Saturation II em uma música: Summer)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.