Resenhas

Built To Spill – Untethered Heart

Novo álbum da banda americana alia guitarras crocantes com melodias doces

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Ano: 2015
Selo: Warner Music
# Faixas: 10
Estilos: Lo-Fi, Rock Alternativo, Guitar Rock
Duração: 45:54
Nota: 3.5
Produção: Doug Martsch e Sam Coomes

Deve ser algum tipo de recorde: Built To Spill está em atividade desde 1993, mantendo o status de banda independente confiável, conectada com o Rock Alternativo americano desde sempre, tendo lançado oito álbuns interessantes (um deles ao vivo) e vinculada à uma gravadora gigante – Warner Music – desde o início da carreira. É uma daquelas formações acima de qualquer suspeita, que forraram o underground dos anos 1990 enquanto o estouro da boiada Grunge teve seu lugar. Ao lado de Dinosaur Jr, Guided By Voices, Yo La Tengo, entre várias outras bandas, BTS foi reserva moral de inspiração, sempre aliando influências das passagens mais viajantes da carreira de Neil Young com a urgência das sonoridades processadas em garagens e buracos pestilentos da América a partir da segunda metade dos anos 1980. Deu no que deu.

Em todos esses anos, Doug Martsch esteve à frente do grupo, aliando guitarradas distorcidas – mas nem tanto – a um registro vocal anasalado bem próximo do já citado Young e com uma ideia interessante sobre como escrever melodias, sempre passando pela absoluta calma na hora de encerrar as canções, não se preocupando com os três minutos radiofônicos e protocolares, tampouco com a presença de refrãos assoviáveis. Mesmo assim, tal visão não atrapalhou a caminhada da banda ao longo destes 22 anos de carreira. A mesma calma na duração das músicas também se aplicou à periodicidade dos lançamentos dos álbuns, sempre oscilando entre três e quatro anos, atingindo o espaço maior entre There Is No Enemy, de 2009 e este simpático Untethered Moon, que mantém as receitas e padrões inalterados, o que significa uma confortável sensação de que você já ouviu isso antes, sem que soe como nostalgia pura e simples.

Um bom exemplo da forma como Martsch dispõe do tempo está na caótica faixa de encerramento, When I’m Blind, na qual a melodia simpática é assaltada por guitarras resfolegantes, que tomam o controle da situação como se fossem faíscas saídas de uma forja, levando a pobre canção a passear pelas alamedas estranhas e sujas do lado mais distorcido da cidade. Esse passeio esquisito leva mais de oito minutos. O mesmo caos sonoro abre So, mas aceita uma posição de coadjuvante guitarrístico para permitir a passagem de uma bela linha melódica com vocais atmosféricos, intencionalmente soterrados na mixagem, no melhor estilo Bob Mould, com direito a mudança de andamento e flerte amoroso com peso e rapidez crescentes.

A primeira canção a pipocar antecedendo o disco, Living Zoo, é uma contida apoteose de guitarras crocantes, servindo de guarnição para os vocais suaves de Doug. Serviu para tranquilizar os fãs e preparar seus corações para a chegada do conjunto de composições. Some Other Song também é outro bom exemplo, só que com mais peso e andamento lento como um dinossauro acordando e se encaminhando para o banho no lago. Comichões de guitarras aqui e ali confundem o ouvinte, que espera a entrada dos vocais nas várias deixas que o arranjo dá, o que só vai acontecer na casa de 1:23. Em Horizon To Cliff temos a impressão de estarmos em uma sobra de estúdio de American Stars’n’Bars, álbum secundário – mas sensacional – de Neil Young, meio Country, meio viajante, meio junky, totalmente alinhado com as tradições do Rock.

Built To Spill, não bastasse sua constância e fidelidade às fórmulas musicais vigentes desde os anos 1990, consegue manter-se, paradoxalmente, sem uma ruga sequer. Sua sonoridade é afiada, multifacetada e simpática o bastante para conquistar o ouvinte neófito e fazer o quarentão lembrar de como era legal ver o Lado B MTV. Belezinha.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.