Resenhas

Caetano Veloso – Caetano Veloso

Compondo e cantando sobre sua solidão no exílio, o artista parece encontrar um antídoto possível para esse episódio

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Ano: 1971
Selo: Polygram
# Faixas: 7
Estilos: MPB, Folk Rock
Duração: 35’
Produção: Lou Reizner, Ralph Mace

O disco autointitulado de Caetano Veloso lançado em 1971 é o primeiro do artista a vir a público durante seu exílio. Caetano vivia há dois anos em Londres após ser expulso do Brasil pela ditadura militar. É um disco transitório, de apenas sete faixas e, se lançado hoje em dia, seria muito provavelmente considerado apenas um EP. Entre a doçura ensolarada, jovem e calma de seus trabalhos anteriores e a afluência cosmopolita Transa (1972), o breve trabalho marca um artista movido pelo clima inglês, mas saudoso de seu país. 

Caetano, em declaração ao Jornal do Brasil em 1991, considerou este disco “deprimidérrimo”. A capa mostra o artista com um semblante sério, exibindo olheiras e a com a barba crescida ‒ que aliás nunca mais usou em sua vida ‒, envolto por um casaco de pele. Protegendo-se contra o frio, ele promove um auto-abraço: uma busca rarefeita pelo poder terapêutico do calor brasileiro, que ganharia forma tantos anos depois com Abraçaço (2012). 

Este é um disco melancólico, que fala não apenas sobre a dor de ser expulso, mas como também a de morar em um lugar que manifesta a melancolia através da umidade da chuva ou do céu cinzento. No entanto, Caetano volta ao Brasil através do desejo e da memória, compondo canções híbridas, que refletem o seu status de exilado entre duas realidades.    

“London London”, “Shoot Me Dead” ou “In The Hot Sun of a Christmas Day” são canções majoritariamente cantadas em inglês, com melodias alusivamente britânicas e arranjos de cordas (compostos por Phil Ryan e produzidos por Lou Reizner e Ralph Mace) que fazem referência aos Beatles, e evocam o clima do estúdio Abbey Road. De outro lado, a melodia de “Marinheiro Só” em “If You Hold a Stone” e a nostalgia do sertão em “Asa Branca” ‒ um tipo de melancolia resignada, oposta ao que Caetano sentia na Inglaterra ‒ são memórias que promovem um resgate subjetivo do Brasil. A voz de Caetano na música “Maria Bethânia” caracteriza bem essa transição: dura e assertiva quando canta em inglês, transmuta-se imediatamente para um timbre açucarado ao citar o nome da irmã, ou seja, ao lembrar-se do Brasil, da família e, enfim, da vida que não escolheu abandonar. 

O álbum antecipa o compêndio de referências que serão as músicas de Transa. Deslocadas de seu contexto original, as canções populares ganham um novo significado. “Eu não sou daqui / Marinheiro só / Eu sou da Bahia”, são versos carregados de um novo tipo de desespero, a inexorável consequência da realocação política de Caetano. 

Há, nesse ir e vir, muitas formas de perceber a sociedade: Em Londres os policiais são prestativos, felizes em ajudar. No Brasil, prendem o músico e censuram suas canções. No Brasil de João Gilberto, Caetano nunca se sentiu seguro tocando violão. Em Londres, contudo, seu estilo é admirado e, por conta disso, ele toca pela primeira vez em um disco. 

Caetano Veloso, o disco de 1971, em sua simplicidade mostra uma realidade complexa. Nada justifica a violência, literal e simbólica de um Estado totalitarista como foi o da ditadura brasileira. Compondo e cantando sobre isso, Caetano parece encontrar um antídoto possível para esse episódio.

(Caetano Veloso em uma música: “Maria Bethânia”)

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MARCADORES: Folk Rock, MPB

Autor:

é músico e escreve sobre arte