Resenhas

Car Seat Headrest – Making A Door Less Open

Em quarto disco de estúdio, Will Toledo mira o futuro, deixa guitarras em segundo plano e se aventura por sintetizadores e beats eletrônicos para expressar angústias

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Ano: 2020
Selo: Matador Records
# Faixas: 11
Estilos: Indie Rock, Lo-Fi, Indie Pop, EDM
Duração: 47'
Produção: Will Toledo, Andrew Katz

No meio de abril, abri uma matéria do New York Times sobre o novo disco do Car Seat Headrest e me deparei com uma figura vestida com um hoodie laranja neon e faixas refletivas, luvas e uma máscara de gás preta com leds instalados no lugar dos olhos. Levando em conta o contexto terrível da pandemia do coronavírus e a impossibilidade de a banda ter finalizado o disco apenas nos primeiros quatro meses de 2020, meu pensamento foi: “o cara previu a pandemia”. Surgiu então uma enorme curiosidade de conhecer o quarto álbum de estúdio da banda de Will Toledo.

Lançado no dia 1 de maio, Making A Door Less Open (2020) não é nenhuma espécie de premonição de surtos virais, desastres naturais, distopias ou qualquer outro evento relacionado ao fim da humanidade. Na verdade, em termos de temática, ele trata dos mesmos sentimentos presentes em trabalhos anteriores do CSH: ansiedade, angústia, medo, existencialismo, paixões não correspondidas. Por outro lado, o que chama a atenção é a adição de novos elementos à sonoridade. O disco é muito mais guiado por sintetizadores, beats programados e samples do que pelas guitarras agressivas que definiram o Indie Rock Lo-Fi de Teens of Style (2014), Teens of Denial (2016) e Twin Fantasy (2018), e os outros tantos registros que Toledo gravou sozinho (no seu carro e em casa), antes de assinar com a Matador Records.

A transformação sonora se associa à persona apocalíptica do vocalista. Sob a alcunha de Trait, a figura é um personagem criado por ele em seu projeto paralelo com o baterista Andrew Katz, o 1 Trait Danger. Com dois discos lançados, a dupla é uma espécie de paródia musical de Rap, Dubstep e EDM e surgiu no tempo livre em meio às turnês da banda, período em que Katz exercitou suas habilidades de produção de beats, com softwares de produção e edição de áudio. Inspirado em alguns artistas mascarados de EDM e também em David Bowie, que criava alter egos a cada virada de sua vida artística, Trait aprimora o desejo de Toledo de afastar de si a imagem central da banda, além de reduzir seu nervosismo no palco. A atmosfera, aqui, é mais teatral e ganha força pela inclusão de elementos digitais à “nova fase” do CSH.

O resultado dessa tentativa arriscada e ambiciosa de encontrar um novo caminho para o Rock – em um período em que o gênero perde espaço – é, no mínimo, estranho. Para confundir ainda mais, as versões em LP, CD e streaming de Making A Door Less Open contêm diferenças de mixes e ordem das faixas. Proporcionar, a partir da engenharia de áudio, experiências de diferentes ângulos para o público, contudo, não é algo novo para a banda. Twin Fantasy, por exemplo, é uma regravação mais refinada do mesmo disco de 2011, gravado com equipamentos baratos no quarto de Toledo. Além disso, o grupo já mostrou que não vê problema em brincar com as faixas em suas apresentações.

Os experimentalismos com sintetizadores e drones de Toledo começaram um pouco antes de engrenar nas traquinagens do 1 Trait Danger, em 2014, com How To Leave Town (2014) – o próximo passo seria assinar com a Matador Records. “Weightlifters”, a primeira faixa de Making A Door Less Open, foi criada nesse período. Em meio a uma linha de sintetizador e beats programados intercalados por acordes de guitarra, Will canta “Eu acredito que pensamentos podem mudar seu corpo”. “Can’t Cool Me Down” é uma reflexão sobre os efeitos bem reais da ansiedade que sente – seja por conta do frio na espinha de subir aos palcos ou pelas inseguranças sobre o lugar em que está na carreira. De ar oitentista, a faixa é guiada por uma linha de baixo bem marcante, sintetizadores e drum beats.

“Deadlines” aparece como faixa única em ambos LP e CD, mas está dividida em duas metades na versão para streaming. “Deadlines (Hostiles)” é uma das melhores do disco, com guitarras paranoicas que tem requintes de Pixies e refrão fácil de grudar. Toledo confessa um possível bloqueio criativo ou um amor inalcançável. Lá na frente, encontramos a continuação, “Deadlines (Thoughtful)”, um mix para pista pouco original. Talvez o momento mais destoante de toda a carreira do Car Seat Headrest.

Chegamos então a “Hollywood”, um dos singles liberado pela banda, em que Toledo e Katz criticam a subvalorização da arte nos filmes de Hollywood, com direito a Rap do baterista e versos meio vazios como “Hollywood me faz querer vomitar!”. Se a ironia da canção mora justamente no riff gasto e na lírica fraca, talvez fizesse mais sentido em um disco do 1 Trait Danger. A voz de Toledo aparece em looping proferindo “feel in my heart” sobre o som de um drone e sintetizadores em “Hymm – Remix”, cuja versão original está no LP. É uma faixa experimental, mas que acaba pouco significativa para o conjunto da obra.

“Martin” soa como o CSH de Teens of Denial e Twin Fantasy com pequenos toques digitais percussivos, que contribuem para que a faixa seja uma das mais interessantes do trabalho. A sonoridade de “What’s With You Lately”, com timbres de violão à la Elliott Smith, se destaca do restante do álbum. Cantada pelo guitarrista Ethan Ives, ela proporciona um respiro para o registro, mas, com duração de pouco mais de um minuto, acaba deixando a desejar. “Life Worth Missing” aflora o lado mais Pop do Car Seat Headrest, com acordes de guitarra açucarados. “There Must Be More Than Blood” tem uma aura esperançosa e timbres espaciais, aproximando-se do que foi produzido em How To Leave Town. E, por fim, “Famous” leva um sample acelerado de “Bodys”, faixa do disco anterior, e de alguma forma se comunica com “Weightlifters”, por meio de reflexões a respeito do comportamento da mente e seus impactos.

Making A Door Less Open, apesar de ambicioso, parece carecer de certo refinamento, revelando uma experiência um tanto prematura da banda pelos elementos eletrônicos e digitais. Toledo está destemido, mas ainda não consegue entregar uma identidade sonora tão forte dentro dessa mudança, tornando o disco meio precipitado ou bagunçado, mas, ainda assim, com alguns momentos muito promissores. É um álbum que pode agradar pouco os fãs mais leais da banda, tampouco ser digerível para o público que acompanha o mainstream. Talvez o Car Seat Headrest queira, no fim das contas, fechar mesmo um pouco sua porta, mirando em um público completamente novo.

(Making A Door Less Open em uma faixa: “Can’t Cool me Down”)

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