Resenhas

Carla Morrison – Amor Supremo

Cantora e compositora mexicana entrega belíssimo álbum

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Ano: 2015
Selo: Cósmica/Universal
# Faixas: 13
Estilos: Synthpop, Pop Alternativo, Eletrônica
Duração: 62:50
Nota: 4.0
Produção: Alejandro Jiménez, Demian Jiménez

Parem tudo! Apenas parem! Agora! Seu balanço musical de 2015 não pode se encerrar antes de levar em conta o lançamento deste álbum. Você pode não se recuperar de tal injustiça tão cedo. A cantora e compositora mexicana Carla Morrison, com este Supremo Amor, simplesmente fez um dos discos mais belos em termos de “voz feminina, climática, imersa em batidas eletrônicas difusas”. É um terreno que conhecemos bem, cheio de gente sem o talento que apregoa e Carla é uma promessa de vida no coração de quem espera mais que divas de procedência duvidosa fazendo carão para uma câmera de celular imaginária, enquanto torce pela chegada do fim do mundo. Sim, vocês sabem que há muitas assim.

Falando em procedência, Miss Morrison vem da improvável região da Baja California, México e, sim, canta em espanhol. Ela soa como uma sereia no deserto, alegoria improvável, metáfora incongruente, como seu som. O espanhol que ela usa para escrever e cantar suas letras soa estranho para nós, que estamos acostumados com o inglês neste terreno. Dessa forma, é mais que bem vindo um verso como “azúcar morena és tu piel”, abrindo Azúcar Morena, a quarta e belíssima faixa do álbum, ou ainda “yo te amo con locura desmedida”, na canção seguinte, No Vuelvo Jamás. Tudo aqui sugere para uma ilha de sonoridade Synthpop em câmera lenta, extremamente sensual, com ares inequívocos de sinceridade. Parece alguma personagem que surge em meio às cenas mais discretas de filmes como Bagdá Café ou algo no gênero. Carla já participou de álbuns de compatriotas como Kinky e vizinhos de fronteira, como Calexico. Tem dois EPs, já levou dois Grammys Latinos para cara. Não é uma amadora, ou novidade da noite pro dia, pelo contrário.

Supremo Amor foi gravado em oito meses numa casa de praia, em Tijuana, México. Este fator tem peso decisivo no resultado. O álbum parece, de fato, algo que surge da ausência de contato com o mundo corrido de hoje, tendo uma espécie de fuso horário diferente da realidade. Há tempo para perceber nuances de piano aqui, timbres eletrônicos elegantes ali, tudo jogando na mesma direção, rumo à voz de Carla, triste e doce simultaneamente, como se ela não conseguisse evitar. Aliás, em meio a toda cuidadosa ourivesaria musical, a voz dela é o principal elemento do triunfo do álbum.

Há alguma atmosfera de baladas do início do Rock, lá nos anos 1950, mas de forma muito sutil e totalmente incorporada no bojo das canções. O primeiro single, Un Beso, é totalmente arrebatador, abrindo a sequência de faixas com classe e urgência. Flor Que Nunca Fui, já pelo título belíssimo, dissolve tentativas alheias de misturar dor, beleza e arrependimento do lado esquerdo do peito. Arranjo de cordas noturnas abre Vez Primera, com gentileza e a voz de Carla, soando como se fosse uma Björk contida, de alguns anos atrás, meio infantil, totalmente triste. Cercania tem clima atmosférico, batidas estéreis na distância, Devuelvete é balada dilacerada ao piano mais tradicional, Mi Secreto é dramática na medida certa, Tierra Ajena é absolutamente linda e Yo Vivo Para Ti é derramadíssima canção de amor devocional e impossível de se viver sem. Na sequência final do disco, Tu Atacas é singela, Mil Anos é graciosa e Todo Pasa chega com fraseados simples ao piano, com vocais de apoio flutuantes e batida marcial.

Carla Morrison chega com pés firmes para provar a possibilidade de algum artista cantar em uma língua distinta do inglês, uma vez que a multiplicidade de sentimentos que coloca em suas canções, parece totalmente afeita ao espanhol. Ela acaba de anunciar turnê pela América do Norte, Espanha e Portugal para o ano que vem, quem sabe não aparece aqui em algum ponto do segundo semestre de 2016? Torçamos, a moça vai longe.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.