Resenhas

Cate le Bon – Reward

Compositora aprofunda seu olhar melancólico sobre o cotidiano em álbum relaxado

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Selo: Mexican Summer
# Faixas: 10
Estilos: Folk Psicodélico, Twee, Art Pop
Duração: 42’
Nota: 4

Lá em 2013, quando escrevi sobre o terceiro álbum da cantora galesa Cate le Bon, mencionei uma espécie de melancolia que é muito característica da compositora. Ela se manifesta através de trivialidades e, neste caso, pode ser ativada por canecas de café empoeiradas na prateleira, que servem como lembrança de um relacionamento que já acabou. Com Reward, o quinto de sua lista, Cate le Bon continua a lidar com sua introspecção diante da vida, mas parece ter desbloqueado o olhar – agora capaz de penetrar nas forças invisíveis que regem sua melancolia. O tema da vez é, portanto, a solidão.

Reward é o resultado de um período sabático da artista, que resolveu ao longo do ano passado dedicar-se a um curso de marcenaria. Ao fim do dia, depois de encerrado o trabalho manual com a madeira, a compositora sentava ao piano. E então, em um ritual de indulgência, como que curtindo a própria dor, concretizava as canções que fazem parte deste álbum. Elas, por suas vez, possuem uma espécie de relaxamento raro de se encontrar na discografia da artista. Por terem o piano em sua espinha dorsal, as faixas tomam o seu tempo para acontecer e soam mais fluídas e convidativas.

Não por acaso, a produção do trabalho preza por uma espécie de labor manual quase escultural, com texturas proeminentes, de percussão em primeiro plano, farpas de violão de aço e solos de guitarra angulosos. O time de convidados ajuda a paleta a ganhar um pouco mais de cor: contamos com as presenças de Stella Mozgawa (Warpaint), Kurt Vile e Josh Klinghoffer (Red Hot Chilli Peppers). Por isso, é fácil de imaginar influências complementares por aqui, mas que não fazem parte necessariamente do mesmo universo. Entre elas, vamos de Television, passamos por Françoise Hardy e desembocamos em David Bowie.

Essa mistura faz com que as canções em Reward transportem o ouvinte para além dos limites da cidade, até alguma região de solo molhado, com céu de tom alaranjado prestes a escurecer, onde os pássaros já começaram a se recolher para a noite. Não são raros os casos de artistas que optam por se isolar durante o período de composição. No entanto, Reward sugere uma espécie de isolamento mais universal e contemporâneo: um que nos induz a refletir sobre a tristeza cotidiana que se manifesta no fim turno de trabalho, no caminho de volta para casa e, enfim, nas partes mais esquecidas da vida comum.

(Reward em uma música: Here It Comes Again)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte