Resenhas

Cat’s Eyes – Treasure House

Dupla canadense flerta com Pop orquestral dos anos 1960

Loading

Ano: 2016
Selo: Raf
# Faixas: 11
Estilos: Pop Alternativo, Chamber Pop, Dream Pop
Duração: 35:19
Nota: 3.5
Produção: Faris Badwan

Treasure House, o segundo álbum da dupla canadense Cat’s Eyes, é uma belezura soturna. É divertido quando vemos artistas cronologicamente novos buscando inspiração em velhos terrenos do Pop, no caso específico, a música orquestrada e com viés tristonho da segunda metade dos anos 1960, quando parte da produção musical para se ouvir no rádio almejava status de arte e relevância estética. Para isso, produtores pensavam em arranjos e mirabolâncias sinfônicos e executivos de gravadoras viabilizavam quartetos de cordas, orquestras e músicos eruditos para conferir esta seriedade clássica às canções de amor de três minutos.

No caso de Faris Badwan e Rachel Zeffira, o próprio Cat’s Eyes, o uso dessa sonoridade se dá com o economicismo dos nossos dias, aproveitando mais o clima e a tristeza do que reproduzindo os truques clássicos de produtores do passado, que eram mestres nesta sonoridade, como Lee Hazlewood, por exemplo. O resultado é uma música esquisita/fascinante para quem está acostumado ao Pop Eletrônico em vigência, ou mesmo ao roquinho enguitarrado monocórdio que temos por aí. A voz de Rachel é doce na medida certa, enraivecida convincentemente, frágil ainda que não queira totalmente. E Faris domina as ações musicais com habilidade suficiente para revestir as canções com um esboço interessante de excentricidade do início dos anos 1960, mas com certo sentido, soando soturno, digamos, pelas razões certas.

Claro, a dupla não é a pioneira na revisita deste som, mas o faz com naturalidade e personalidade suficientes para merecer a nossa simpatia. Além disso, funcionam bem como compositores. Rachel aparece bem como vocalista de apoio e cantora principal, sempre dentro dos limites do bom senso, não estragando a delicadeza das composições com alguma gritaria fora de lugar, lembrando uma versão com vínculo empregatício flexibilizado de Elisabeth Frasier, vocalista do sensacional grupo Cocteau Twins. Há momentos de brilho intenso, seja do arranjo, seja da cantora. Girl In The Room é um bom exemplo, com pinta de canção de Nancy Sinatra, não por acaso, musa de Lee Hazlewood durante a maior parte de sua existência. O instrumental é celestial, cordas dobram-se umas sobre as outras, guitarras surgem no subterrâneo e Rachel paira sobre o cenário, lamentando o ocorrido. Noutra hora, em We’ll Be Waiting, pontuada por um fraseado triste de órgão e instrumental que comporta vários efeitos entristecidos, as vozes de Faris e Rachel quase são uma só, surgindo sobre as nuvens como se fossem o sol iluminando um cenário outrora sombrio. Ela ainda contribui com camadas vaporosas de vocais de apoio, tudo bem feito e convincente.

Há uma evidente influência vocal do quarteto californiano The Mamas And The Papas, especialmente em canções como Drag ou Be Careful Where You Park Your Car, nas quais Rachel procura inferir alguma crocância adolescente, que soa meio fora do lugar, mais ou menos como se recusasse o papel full time de musinha lúgubre da empreitada. Ainda assim, ambas as canções são bons exemplos de manejo da estética sessentista por parte de Faris e sua produção legal, abarcando o modelo clássico de Pop song para o rádio AM daqueles tempos (em Drag) ou visitando as melodias rapidinhas, derivadas da Surf Music de araque (em Be Careful…), chegando a lembrar grupos de garotas daqueles tempos, como The Shirelles ou The Ronettes.

Estas cançonetas de amor e perda, empacotadas como se chegassem até nós por algum Túnel do Tempo ocasional, cumprem seu hipotético papel de apresentar aos ouvintes este modelo tristonho e bem feito de canção Pop, que, apesar da suposta estranheza lúgubre, faz bonito no escuro do quarto, chorando pitangas ou saudades da pessoa amada. Elas soam quase como um abraço, um cobertor no frio, um tapinha nas costas, tudo bem bonito e interessante. E triste. Vale conhecer.

(Treasure House em uma música: Girl In The Room)

Loading

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.