É inegável: Céu é um dos nomes mais importantes da música brasileira no século 21. Com prêmios nacionais e internacionais, público bem definido e ampla habilidade musical, a cantora e compositora paulistana já tem uma marca consolidada de autenticidade e criatividade. Por isso mesmo, soou como uma curva estranha em sua carreira o lançamento do disco de covers Um Gosto de Sol, em 2021, que, além de trazer nada de novo em suas versões, ainda apresentava uma Céu que parecia deslocada. Um repertório que, se tinha lógica pessoal para ela, não dizia muito aos ouvintes. Por isso, é com alívio e entusiasmo que se dá play em Novela: ouvimos Céu novamente encontrando o rumo de sua caravana – uma estrada de novas paisagens guiada por seu talento.
Em 2023, Céu foi à Costa Oeste dos Estados Unidos para a concepção de Novela, lançado via Urban Jungle/ONErpm. Sexto álbum de inéditas da cantora, o trabalho teve captação ao vivo, registrada em tape, com a banda reunida em conjunto. Gravado no Linear Labs Studio, em Los Angeles, o álbum tem produção assinada por Céu, pelo músico e produtor pernambucano Pupillo – ex-baterista da Nação Zumbi, corresponsável por Tropix (2016) e APKÁ! (2019), de Céu – e pelo multi-instrumentista e arranjador americano Adrian Younge (proprietário do Linear Labs, realizador de projetos com Snoop Dogg, Kendrick Lamar, The Delfonics e Wu Tang Clan). Além do time, a iniciativa multimídia Jazz Is Dead assume a codireção do projeto.
Com banda formada por Pupillo (percussão, programações e bateria), Younge (teclados, guitarra, contrabaixo, arranjos e condução de cordas e sopros) e Lucas Martins (contrabaixo, violão e guitarra), Novela deixa de lado as pistas oitentistas de Tropix e APKÁ! e acena para outros momentos da carreira de Céu – como em um diálogo com as propostas e possibilidades de Vagarosa (2009) e Caravana Sereia Bloom (2012). O reggae, o jazz e a música brasileira se emaranham em sonoridades esfumaçadas que são emolduradas na voz única de Céu e sua prosódia tão própria. Ao lado da voz da paulistana, se unem nomes como a MC e compositora americana LadyBug Mecca, do Digable Planets, em “Raiou”, a cantora e compositora franco-senegalesa anaiis em “Gerando na Alta” e o cantor estadunidense Loren Oden em “Into My Novela”. Em tempos de feats e parcerias armados para alavancar métricas das plataformas de streaming, é revigorante observar as escolhas de Céu. São diálogos que, sobretudo, fazem sentido com o universo que ela cria aqui.
Logo de cara, Novela seduz por sua estética diversificada, amparada por uma produção poderosa que amarra guitarras e percussões a toda a classe dos arranjos de cordas e sopros, como em “Raiou” e “High na Cachu”. E é interessante que toda essa construção gere canções complexas e cheias de camadas, as quais, hoje em dia, poderiam ser colocadas na gôndola da música alternativa – mas que, na realidade, trazem no cerne o caráter pop brasileiro, bebendo na fonte de nomes referenciais para Céu, como Pepeu Gomes e Lincoln Olivetti, por exemplo. Os versos “Eu sou a protagonista da minha Novela / So good, yeah baby/ I want to learn how you want me/ To love you”, de “Into My Novela”, ou a repetição de “Ouro / Mucho ôro / Chispa de ôro, uh-uh-uh”, em “Mucho ôro”, são exemplos interessantíssimos dessa veia pop do disco. São versos que ecoam nos ouvintes e que grudam na gente como sal e areia na praia.
A novela de Céu tem soul, reggae e ecos da música afro-caribenha – tudo isso temperado com uma sensualidade brasileira e climatizado por um calor pop. É um disco que reafirma a cantora paulistana como artista capaz de, como poucos, utilizar sua voz e sua criatividade de forma autêntica, única e à margem de qualquer ditame do mercado.
(Novela em uma faixa: “High Na Cachu”)