Resenhas

Chance The Rapper – The Big Day

Em seu primeiro LP oficial, o rapper da nova geração não demonstra a mesma avidez de suas espetaculares mixtapes

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Ano: 2019
Selo: Independente
# Faixas: 22
Estilos: Rap. R&B
Duração: 77'
Nota: 3

Ainda que The Big Day tenha sido anunciado como disco de estreia, Chance The Rapper está muito longe de ser um novato. Seja pelas incensadas mixtapes anteriores –10 Day (2012), Acid Rap (2013) e Coloring Book (2016) –, pela coroação em premiações ou pelas parcerias com estrelas do mundo do Pop, o que não falta é motivo para entender Chance como “gente grande”. Entretanto, o novo álbum pode ser considerado o adeus oficial do cantor de Chicago ao status de um dos heróis do underground, com divulgação convencional – inclusive em parceria com grandes marcas – e o fim dos lançamentos gratuitos. Com 22 faixas, incluindo skits, The Big Day é uma extensa carta de amor do rapper a sua esposa, Kirsten, com quem tem uma filha. O casamento dos dois, sacramentado em maio desse ano, é o tema principal que percorre todo o trabalho e até acabou virando meme pelas redes, com postagens sarcasticamente sugerindo que as letras dizem basicamente “I love my wife”. A declaração, de fato, se repete em diversos momentos, mas o álbum é também a expressão de um rapper outrora excêntrico, com um ar juvenil imprevisível e que, agora, prefere… ficar em casa com sua família.

“All Day Long”, com refrão à la trilhas da Disney cantado por John Legend, é, como de costume na obra de Chance, uma intro poderosa e com ares de celebração, trazendo seu típico flow esquizofrênico rimando sob um beat acelerado. O grande (e imenso dia) começou e, ao longo dele, teremos participações estelares, rimas meio cafonas/meio meigas sobre o amor matrimonial, produções que variam entre inspiração e mesmice, revivalismos e atrevimentos. Em “Do You Remember”, feita em parceria com Ben Gibbard, Chance evoca os velhos tempos e o vocalista do Death Cab For Cutie é o encarregado do refrão, que, inevitavelmente, dá uma cara indie-trilha-de-seriado-colegial-americano à faixa. 

O flerte fora do Hip Hop também aparece em “Ballin Flossin”, um House que traz participação entediante de Shawn Mendes, o atual queridinho do pop radiofônico, dando canja no refrão. As coisas definitivamente melhoram muito quando Chance mostra sua faceta mais R&B, como em “Eternal”, que poderia tranquilamente estar em 24 Magic (2016), de Bruno Mars, e “I Got You (Always and Forever)”.  A segunda, aliás, bebe tanto da fonte dos anos 1990, que contou com a participação do En Vogue. De modo geral, as diversas referências se misturam de maneira um tanto desordenada ao longo da tracklist e contrastam com os momentos mais comerciais do disco. 

Chance já havia dado tais sinais em “Groceries”, seu último lançamento antes de The Big Day e, aqui, as influências do Trap se sobressaem positivamente em “Hot Shower”. Com verso destaque de DaBaby, a faixa é um típico braggadocio – em que os MCs exaltam seus feitos e se gabam de seu lifestyle – com timbres fortes de caixa e bumbo, o que resguarda um aspecto Old School.

Outros traps espalhados pelo disco, como “Handsome”, “Slide Around” (com Nicki Minaj) e “Big Fish” (dividida com Gucci Mane e produzida por Timbaland), são divertidos e certamente bons para as pistas, mas mais passáveis e soam como poucas canções de Chance soam: genéricas. Nessas faixas, fica mais evidente o alvo mais ecumênico e mercadológico do projeto em relação a seus antecessores. A ousadia e as escolhas artísticas caleidoscópicas do rapper, as quais ajudaram a construir uma marcante assinatura, só vão no máximo até a terceira marcha em boa parte de The Big Day. “We Go High”, por exemplo, com três versos de Chance abordando sua história com a esposa e o novo horizonte recém-inaugurado, é um belo Boom Bap, mas que perde força justamente por conta da timidez com que as influências de Gospel aparecem. O mesmo acontece em “5 Year Plan”, faixa introspectiva na qual o rapper fala sobre seus planos e desejos como pai, marido e artista. Esse e outros “vazios” são claramente resultados da ausência do tão marcante trompete de Nico Segal, o Donnie Trumpet, músico fundamental na criação da sonoridade de Chance. 

The Big Day é um atestado claro de um MC que agora visa o olimpo do mainstream. A época adoidada ficou para trás e a liturgia não é mais exatamente protagonista – no som e nas letras – além disso, a fase “homem de família” chegou com tudo, embora ele tenha apenas 26 anos. Os fãs de Chance talvez fiquem desapontados ao ouvirem o MC caminhando em um terreno musical tão seguro, mas é provável que seu foco seja exatamente os novos admiradores. Se jogar de cabeça no mercado – depois de consagração no Grammy, elevar o sarrafo com mixtapes excelentes e encarnar uma persona tão original – pode ser traiçoeiro. E, aqui, Chance até é efetivo em algumas de suas especialidades, mas, menos inspirado que de costume. Cai em armadilhas que tornam inevitáveis as comparações aos trabalhos anteriores. E a duração do disco (quase 1h20) não contribui para a manutenção do fôlego. 

A nostalgia não é tão carismática e comovente como em 10 Day, a salada criativa dos instrumentais de Acid Rap é bem mais limitada aqui e os sermões não têm o peso espiritual de Coloring Book. Mesmo assim, o disco pode servir como um cartão de visita afável ao mercado de um dos rappers mais interessantes dessa geração. Ainda mais se fisgar uns desavisados ludibriados pela palavra “estreia”. Mas, sem dúvidas, o que ainda tem peso para manter a fé em um futuro brilhante e acima da média de Chance, por enquanto, é o que veio antes do tal Grande Dia.

(The Big Day em uma faixa: “All Day Long”)

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MARCADORES: R&B, Rap