(Como sempre) Estamos vivendo em tempos sombrios: guerras assolam diversas partes do mundo, a fome segue acabando com vidas, as desigualdades econômicas se aprofundam pelo nos quatro cantos do globo. Desse cenário de desesperança, nasce Cool World, segundo disco do quarteto norte-americano Chat Pile, que mais uma vez escolhe relatar mazelas da forma mais sincera e brutal possível. Diferente de muitos artistas que escolhem tratar esses temas com ironia ou niilismo, o grupo grita a realidade com uma dor palpável, canalizando toda a angústia que paira sobre nossa sociedade em músicas tão aterradoras quanto os fatos que eles discutem. Raygun Busch e companhia não se escondem atrás de metáforas elaboradas ou de sarcasmo – o que ouvimos aqui é cru.
Dois anos após o impactante God’s Country (2022), o grupo de Oklahoma City volta mais coeso e direto. Se o ruidoso debut tinha uma verve um pouco mais experimental, com uniões não convencionais de estilos em meio a guitarras dissonantes, aqui o grupo soa mais polido e certeiro, ainda que o disco seja extremamente áspero e barulhento. Entre o noise rock e o sludge metal, o quarteto consegue ainda acrescentar elementos de alt-rock (“Milk of Human Kindness”), pós-punk (“The New World”) e post-hardcore (“Masc”) em sua massa sonora. Dinâmico, o álbum pendula entre a agressividade cáustica e momentos quase apáticos com riffs intensos e envolventes. Outro destaque é a teatralidade de Raygun, com vocais que flutuam do monótono declamar de falas a explosões maníacas de fúria.
Se o disco soa mais conciso instrumentalmente, as letras expandem seu alcance, ampliando as temáticas de uma escala local para uma perspectiva mais global. Em God’s Country, o quarteto tinha como escopo sua cidade natal (abordando crise de moradia, tiroteios em massa e descontrole armamentista), além de questões pessoais (como abuso de substâncias). Agora, o lirismo Busch busca inspirações em questões mundiais, falando não mais de crimes de rua, mas de crimes contra a humanidade. A angústia pessoal continua sendo o fio condutor dessas narrativas dilacerantes, porém as histórias se tornam um retrato mais abrangente – e ainda mais trágico – da nossa realidade.
Letra e música se combinam de forma explosiva. Cada faixa joga em nossa cara imagens brutais de realidades que muitas vezes escolhemos varrer para debaixo do tapete. Em “Camcorder” e “Tape”, por exemplo, a banda aborda como a brutalidade gravada reforça a perpetuação de certas violências (“They made tapes / It was the worst I ever saw”); “I Am Dog Now” apresenta imagens de uma existência sub-humana (“Trash mouth/ Veins full of garbage/ I am dog now”); “Shame” descreve imagens horríveis vindas do genocídio em Gaza (“In their parents arms/ The kids were falling apart/ Broken tiny bodies/ Holding tiny still hearts”). A banda constantemente nos lembra de que a violência e a alienação são forças que transcendem a individualidade, tornando-se um traço da nossa coletividade cada vez mais desgastada.
Em Cool World, Chat Pile nos oferece uma experiência que é, na mesma medida, angustiante e catártica. Este é um álbum ainda mais sombrio, desolador e sujo, em que a musicalidade bruta intensifica o cenário violento e desolador das letras (e vice-versa). Não soa apenas como um desabafo de alguém descontente com o que o vê para fora de sua janela, mas como um diagnóstico da nossa sociedade que parece cada vez menos entender o sentido da palavra “humanidade” – “We got no escape / No Way Out”, diz a banda ao se despedir do ouvinte em “No Way Out”.
(Cool World em uma faixa: “I Am A Dog Now”)