Resenhas

Cibo Matto – Hotel Valentine

Disco do duo é recomendado a fãs dos anos 90, mostrando uma releitura interessante desta década

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Ano: 2014
Selo: Chimera Music
# Faixas: 10
Estilos: Indie
Duração: 37:07
Nota: 3.5
Produção: Cibo Matto

Se há em curso uma tendência para o surgimento antecipado da nostalgia de bandas e artistas noventistas, Cibo Matto está bem posicionado nessa história. Depois de colaborarem com Beck, Gorillaz e participado da mais recente encarnação da Plastic Ono Band, juntas ou separadas, Miho Hatori e Yuka Honda resolveram retomar sua parceria primordial e reativar uma das duplas mais criativas daquela época. Depois de quinze anos, quando ninguém poderia supor, eis que surge o terceiro disco do Cibo Matto.

A dupla estava posicionada numa espécie de vanguarda criativa de Nova Iorque, desvinculada de movimentos como Grunge ou Britpop, muito mais interessada em fundir as sonoridades mais urbanas como Hip Hop e Música Eletrônica em geral com alguns acentos Pop descendentes da uma vertente mais intelectualizada, forjada por Talking Heads a partir de 1986, quando soltou a trilha do filme True Stories. A sonoridade do Cibo Matto e de gente como Beck fase Odelay (1996) ou os Beastie Boys fase Hello Nasty (1998) buscava uma modernidade que seria consequência dessas misturebas. Etnicismo musical e Rap, eletrônica e anarquia. Tudo bem amarrado e sugerindo sons caleidoscópicos. Sendo assim, temos o terceiro álbum da dupla, Hotel Valentine, que segue exatamente essa receita. A sensação de que estamos em 1997 é quase inevitável. E isso pode não ser exatamente ruim.

Hatori e Honda não entraram em detalhes, mas é evidente que a reunião aconteceu porque elas ainda devem se divertir bastante fazendo música. O clima ao longo das dez faixas é de felicidade total. A abertura com Check In já mistura os mesmos timbres misturados de bateria e percussão, os vocais de videogame e o clima de que estamos numa daquelas lojas de discos importados, atrás da mais moderna definição de música do nosso tempo. Algo interessante surge na faixa seguinte, Deja Vu, que empresta um suíngue urbano de alguma esquina da Grande Maçã, fazendo uso de levadas deslizantes de baixo, bateria a serviço da dança lenta e guitarra sinuosa em meio a um refrão minimalista e metais. As guitarras à la Talking Heads marcam 10th Floor Ghost Girl, que sugere um bailão atemporal, com uma levada rápida e dançante, pontua por uma linha de baixo invejável. Emerald Tuesday já abusa um pouco da sensação caleidoscópica e se perder no meio de tantas referências que surgem.

Mfn, abreviação de mother fuckin’ nature, aparece com corais sampleados e uma ambiência solene, que dá espaço à faixa título, lenta e contemplativa, cheia de percussões tortas e metais ocasionais. Sons noturnos e claustrofóbicos marcam Empty Pool e Lobby, mas não chegam a tomar conta por causa da chegada de Housekeeping, talvez a canção mais conectada com os anos 2010 de todo o disco, eletrônica, canto-falada, sugerindo perversões generalizadas. O encerramento com Check Out, plácida, acústica e arejada, nos relembrando que, afinal de contas, estamos num disco do Cibo Matto e essas alternâncias de climas e sensações fazem parte do percurso.

A volta da dupla é uma boa notícia para quem está interessado em ver como esse pessoal dos anos 90 conseguiu fundir várias noções, pegar emprestado vários ritmos e soar moderníssimo. Se você quer conferir um pouco dessa curiosa sensação de futuro no passado, caia dentro.

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BOM PARA QUEM OUVE: Cornelius, Luscious Jackson, Beck
ARTISTA: Cibo Matto
MARCADORES: Indie

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.