Diamond Jubilee é tudo isso mesmo que estão dizendo por aí. Com mais de duas horas de duração, o disco duplo que o canadense Patrick Flegel produziu sob o nome Cindy Lee (seu alter ego drag queen) propõe uma experiência intensa em sua imersão, variedade sonora e familiaridade estética, de forma que você tenha a sensação de que já escutou músicas assim, mas nunca ouviu um disco como esse.
Isso acontece a partir da forma como as 32 músicas que formam a obra são oferecidas: elas podem ser compradas no formato .WAV, de altíssima qualidade, ou acessadas em um só link no YouTube, que não traz divisões das faixas, nem mesmo dos dois discos que formam a obra dupla. É aquele play que você dá e percebe as músicas passando de uma a outra, como em uma transmissão de rádio.
Tem a ver, e muito, com o controle de Cindy no que diz respeito a como seu trabalho será acessado, em uma época em que grandes empresas têm músicos como reféns de seus modelos de negócios. Flegel explica que, além da precarização de sua atividade, ele não concorda com o uso de verba que o Spotify destina a empresas que desenvolvem tecnologias de segurança a partir de inteligência artificial.
Mas é claro que isso tem uma implicação bastante prática para quem escuta Diamond Jubilee, que vai ou baixar os quase 2 GB de música (e fazer uma doação de 30 dólares canadenses, como o site pede), ou escutar o disco na íntegra, e sem anúncios, pelo YouTube, sujeito à forma escolhida linearmente para mostrar essas canções.
É uma proposta interessante, que vai muito de encontro a como consumimos música na era do streaming e da customização (com a opção de escutar apenas uma ou algumas faixas, ao invés do álbum completo, e inseri-las em playlists alheias ao propósito do artista para como elas deveriam ser apresentadas). E é uma narrativa que só se sustenta pela excelência musical que ostenta.
Com produção do próprio Patrick Flegel, Diamond Jubilee passeia livremente por grande parte do legado da música independente nas últimas décadas, aquela que costuma vir acompanhada de nomes como “alternativo” ou mesmo “indie”. É um som que qualquer ouvinte versado nesses gêneros conhece muito bem – daí a já mencionada familiaridade presente na obra –, e que combina perfeitamente com a nostalgia do formato “dê o play e veja o que acontece” que encontramos aqui.
Há um experimentalismo muito simpático que se percebe em grande parte das faixas, que nada mais é do que uma enorme vontade de fazer algo que seja minimamente original e, ao mesmo tempo, bastante honroso para com a memória afetiva dos fãs do estilo. Da reverberação dos vocais ao baixo que carrega grande parte das melodias nas costas, acompanhado de uma percussão geralmente discreta (e, às vezes, descompassada): tudo evoca um som deliciosamente clássico.
E essa palavra cabe também a Diamond Jubilee, que faz jus à atenção que ganhou nas últimas semanas e deve marcar época com a experiência que oferece aos ouvintes. Cindy Lee, de carona, se torna um dos nomes mais interessantes da cena não só canadense, mas do indie que acontece hoje ao redor do globo. Tire duas horas do seu tempo para conhecer a obra, mas você entenderá isso em poucos minutos de música.
(Diamond Jubilee em uma faixa: “Flash and Blood”)