A jovem musicista Clairo chega a seu terceiro disco, Charm, com postura firme, mas com cada pé fincado num universo distinto. Depois de despontar no submundo da internet com suas produções caseiras, a artista começou sua carreira profissional já em um patamar alto, alavancado pelos contatos da família na indústria do entretenimento, o que a coloca num lugar limiar entre o estrelato pop e uma subcultura online do bedroom pop. É interessante: Clairo se mantém fiel ao seu estilo, escolhendo produtores que, como ela, se situam entre o mainstream e o alternativo, canta com uma voz baixa e aveludada que caracteriza um estereótipo da música feita na internet, mas se apresenta diante de uma produção sofisticada, elegante, executada por músicos que, digamos, não estão para brincadeira. “Third time is a charm”, diz o ditado em inglês, que pode ser entendido como “a terceira tentativa é a certeira” – que não acontece por acaso, mas porque foi abençoada com o aval da fortuna.
Immunity, o primeiro álbum da artista, foi produzido por Rostam Batmanglij, do Vampire Weekend, banda que talvez seja a epítome dessa dupla personalidade. O segundo, Sling, por Jack Antonoff, que galgou sua carreira até se tornar o queridinho do pop, à frente de nomes como Taylor Swift e Lorde. Agora, com Leon Michaels no comando, Clairo chega num trabalho que amalgama o frescor da novidade nos alicerces da era dourada dos grandes estúdios. A apresentação da artista no Jimmy Fallon, programa da late night americana, mostra bem o universo da cantora, que canta introvertidamente, como se estivesse sozinha num confessionário, enquanto lança um single no horário nobre da tv.
A produção parece ter os anos 1970 como referência, o que tem sido a lógica de Clairo desde sempre, na qual timbres analógicos e melodias cativantes soam originais ao mesmo tempo em que evocam grandes clássicos do folk, já consagrados pelos cânones. Charm é um daqueles discos em que nada está fora do lugar, o que pode ser justamente um ponto fraco do trabalho para alguns, que procuram alguém que de fato mostre vulnerabilidade ao invés de apenas falar sobre ela.
Charm significa “charme”, mas também “feitiço”. E muitas músicas por aqui expressam esse lugar limiar, essa área de tensão, esse espaço vazio preenchido de forças invisíveis, nem cá nem lá, da sedução. Da chama que se acende quando se está prestes a tocar outra pessoa na intimidade do quarto, com uma perna para fora do lençol enquanto a outra se rende num enlace amoroso. Clairo conquista os ouvidos de uma audiência mainstream como se fosse um segredo guardado e precioso, vagando nesse lusco-fusco entre o desejo e a conquista, dirigindo um proverbial conversível diante de um horizonte infinito – vestida com óculos escuros e echarpe esvoaçante, enquanto cantarola poesias que deveriam ficar entre quatro paredes.
(Charm em uma faixa: “Sexy to Someone”)