Resenhas

Cora – El Rapto

Banda curitibana traz experiência sensíveis às investigações do inconsciente por meio de mitos gregos

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Ano: 2018
Selo: PWR Records
# Faixas: 9
Estilos: Dream Pop, Neo Psicodélico, Shoegaze
Duração: 38:37
Nota: 4.0
Produção: Leonardo Gumiero

Freud diz que temos em nosso inconsciente conteúdos inacessíveis responsáveis em parte por nossos anseios e aflições. Assim, por algum tempo, ele utilizou a hipnose como meio de “adentrar” neste domínio, percebendo cada vez mas sua importância para o processo terapêutico. São esses conceitos que o grupo Cora, idealizado por Kaíla Pelisser e Katherine Zander, parece utilizar como guia para uma investigação densa e minuciosa de seu microcosmo mental. O resultado disso é seu mais recente disco, um trabalho tão diverso quanto as próprias referências da banda, no qual rótulos ou nomes de gêneros musicais apenas restringiriam as potencialidades de uma sonoridade tão rica quanto a sua.

El Rapto parece ser um trabalho adequado para uma análise freudiana, não só pela aproximação de conceitos de inconsciente, mas também pela referência a mitos gregos (histórias muito significativas para a psicanálise). Segundo o grupo, o rapto sugerido no título vem do mito de Perséfone, que desce ao reino dos mortos e volta de lá com frutos das profundezas.

É justamente aí que se encontra a raíz do disco, neste processo de autoinvestigação por meio da música, do qual se aprende muito transformando nossas personas. Daí a necessidade de utilizar três línguas diferentes em suas letras (português, inglês e espanhol) para expressar aquilo que encontraram em seus territórios internos. A mistura de referências musicais também dialoga com esse inconsciente, à medida que nele as coisas não são tão bem definidas e acabam se interseccionando. É por isso que, assim que o disco começa, nós identificamos alguns traços familiares, mas nunca a sua totalidade, que é própria do universo das compositoras.

Milonga introduz esta investigação em reverbs catárticos e melancólicos riffs, nos avisando que esta não será uma jornada tão fácil assim. Já Tulpa, com suas batidas eletrônicas e pads soturnos, parece dialogar com o próprio mito referenciado pela banda, como se estivéssemos adentrando no mundo dos mortos. A Call From Gloom é quase um Shoegaze do além, nos conduzindo levemente com a voz suave da vocalista, mas também nos jogando em um vazio de ecos desconcertante e grandioso.

Os sintetizadores de Santa Fé pintam uma estética da década de 1980, mas sua linha rítmica percussiva logo dá um novo significado àquela soturnidade. A jornada termina com a faixa Περσεφόνη (Perséfone), de batidas quebradas e vocais fantasmagóricos que não tem por função nos assustar, mas nos avisar que chegamos ao fim da viagem.

Cora traz uma extraordinária experiência que pede de nós uma devoção para que o grupo nos mostre o que descobriu deste vislumbre ao inconsciente. Ao mesmo tempo que instigante, é um trabalho que pode trazer novos significados a cada escutada. Um disco sobre o qual Freud escreveria um livro.

(El Rapto em uma faixa: Tulpa)

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BOM PARA QUEM OUVE: Papisa, Rakta, Warpaint
ARTISTA: Cora

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique