Resenhas

Courtney Barnett & Kurt Vile – Lotta Sea Lice

Projeto paralelo de músicos é uma ode à amizade

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Ano: 2017
Selo: Matador
# Faixas: 9
Estilos: Americana, Indie
Duração: 44:33
Nota: 4.5
Produção: Callum Barter

Não sei quem foi que apresentou Courtney Barnett a Kurt Vile, mas fica aqui o meu agradecimento. Seja como for, o encontro dos dois músicos parecia inevitável, como uma daquelas amizades que o universo já predestinou, e está só esperando o momento certo para fazer acontecer, já que não é difícil sentir a vibe de almas gêmeas que este Lotta Sea Lice deixa transparecer. É claro, compartilhar o nome de um dos casais mais icônicos do mundo da música ajuda a acreditar no alinhamento dos astros.

Pois bem, este projeto paralelo imaginado pelos dois nos faz lembrar alguns clássicos da literatura epistolar, nos quais uma amizade, apesar da distância, é fermentada através da presença presumida de um querido confidente. Barnett fala da Austrália, Vile responde da América, e assim sucessivamente até que os trejeitos musicais de ambos tenham mesclado em uma massa sonora indistinta intercontinental.

O som é exatamente aquele que poderíamos esperar do encontro, um Rock Americana de guitarra dedilhada temperado no Indie, recheado de filosofias de boteco sobre a vida cotidiana. Vile continua com suas divagações espirituais e Barnett esbalda-se no seu tema favorito, o tédio, ou melhor, no ócio criativo como estopim para suas composições. O trejeito desta última de encadear trocadilhos, numa poesia trivial do fluxo da mente, marca presença.

Veja Continental Breakfast, por exemplo, que canta “I cherish my intercontinental friendships /We talk it over continental breakfast”, e nos faz pensar na bobagem da associação de palavras, mas que remetem com jovialidade à provável origem da amizade de ambos, que se conheceram no café da manhã de um hotel por conta dos shows das turnês.

São cinco músicas inéditas e quatro covers. Estas últimas, ajudam a deixar o clima do álbum familiar pois, com exceção de Untogether, uma música de 1993 da banda Belly, todas as outras jogam em casa: Outta the Woodwork é um cover de Vile para uma música de Barnett. Peepin’ Tom, o contrário. Fear Is Like a Forest, por sua vez, é um cover de Jen Cloher, esposa de Barnett, cantada por ambos.

Na parte instrumental, a produção do álbum salta aos ouvidos, com guitarras conectadas em uma cadência de ação e reação fluída, exaltando simbolicamente o valor de um diálogo, do jogo entre fala e escuta e, é claro, do estímulo que um músico dá para que o outro brilhe no que sabe fazer melhor. Belo trabalho.

(Lotta Sea Lice em uma música: Continental Breakfast)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte