Resenhas

Craig Finn – Faith In The Future

Segundo disco solo do cantor de The Hold Steady traz polaróides Folk da América

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Ano: 2015
Selo: Partisan
# Faixas: 10
Estilos: Folk Rock, Rock Alternativo, Lo-Fi
Duração: 39:46
Nota: 4.0
Produção: Josha Kaufman

Craig Finn é uma espécie de Bruce Springsteen. Ele é um cronista do cotidiano desta América de início de século. Assim como The Boss, Finn tem habilidade acima do normal para retratar em melodia/letra as situações corriqueiras do dia e da noite, de fornecer pequenos instantâneos de eventos, traços, pegadas, pistas de um todo. Ao contrário de Bruce, que é um contador de histórias a partir de circunstâncias que podem (e devem) ser reais, Finn tem algo de fantasioso em sua crônica, mas que não chega a evitar a apreciação de sua obra como uma fiel polaroide de uma sociedade estranha, capaz de atos prodigiosos e bárbaros numa velocidade vertiginosa, tudo ao mesmo tempo agora, uma coisa de cada vez ou não. Assim, bem confuso, mas focado na tarefa de relatar até essas oscilações. Deu pra entender?

Craig tem uma banda, The Hold Steady, interessante e tal, mas sua carreira solo é, digamos, mais arriscada e direta. Ele se vale de violão/guitarra e voz, junta uns sujeitos mulambentos para erguer a parede de baixo, bateria e guitarra-base, além de uns zés manes para fazer funcionar um naipe de metais aqui e ali, saindo-se com um resultado tão espontâneo quanto possível, como seria, provavelmente, se chegássemos para ele na rua e pedíssemos: – Craig, tudo bem? Canta o seu dia aí, vai. Ele responderia com Faith In The Future, que, ao contrário do que seu título apregoa, não é uma obra de otimismo. Finn é nativo de Boston, católico praticante e se situa nessa galera de artistas entre 30 e 50 anos, muito mais jovens do que gente dessa idade era na década de 1970, capazes de retratar as relações dessa classe média ianque, seus medos, sua visão de mundo, suas esperanças para o futuro (ou a ausência delas) com uma música que tem muito de Rock, bastante de Punk, um tanto de influências diversas, mas que é urbano, informal e de fácil assimilação por uma grande quantidade de gente, seja americana ou não.

Faith In The Future tem dez canções lineares, gravadas como se o engenheiro de som não tivesse comparecido ao trabalho e a função ficou sob responsabilidade de alguém pouco familiarizado com a coisa. A impressão Lo-Fi do registro das músicas joga muito a favor dessa visão fugidia de aquarela sob a chuva. Títulos como Maggie, I’ve Been Searchin’ For Our Son ou Sarah, Calling From A Hotel, dão a noção exata da volatilidade das situações retratadas por Craig. As mais e menos importantes eventualidades se agrupam na mesma levada, na mesma seção de estúdio e tal tratamento, apesar de temerário na vida real, tem especial fascínio na composição do sujeito, pelo menos aqui. Roman Guitars, a segunda faixa do álbum, tem naipe de metais e melodia épica, devidamente soterrada pela gravação informal, mas isso não compromete o resultado de sua audição. Newmyer’s Roof é uma canção springsteeniana, porém mais acelerada que o normal e narra a manhã do 11 de setembro americano pela ótica de três sujeitos com ressaca, que vêem as torres caindo de um terraço próximo.

Sandra From Scranton é outro exemplo de criação inspirada na pena de Bruce Springsteen. A melodia é solene, o arranjo é uma espécie de Lo-Fi grandioso, com guitarras esparsas e percussão esquisita, tudo a serviço de uma modalidade terceirizada de psicodelia. Saint Peter Upside Down é outra canção violeira, novamente secundada por uma bateria – provavelmente eletrônica comprada de segunda mão – que surge como um cavalo a galope no horizonte. A narrativa católica de Finn alterna a fé com figuras míticas como a “Mustang Sally”, do título da velha canção Soul sessentista de Wilson Pickett, enquanto Trapper Avenue traz à tona um lado Van Morrison de Craig, algo que remete ao que Van seria se tivesse nascido há, no máximo, 25 anos, e estivesse iniciando sua carreira. Há algo de Folk tradicional em Christine, que tem sua melodia conduzida apenas por violão acústico, mas o arranjo tem brilho intenso com a chegada de vocais de apoio no meio do nada, ajudando a realçar o minimalismo da coisa toda. I Was Doing Fine (Then A Few People Died) tem som de fita demo, com levada baixo/bateria seguindo certa inspiração de Fleetwood Mac, tudo bem, tudo bom.

Craig Finn é desses contadores de causos que parecem habitar cada esquina de um país estranho como esses Estados Unidos de hoje em dia. Não que não tenha sido sempre, mas a combinação de Disneylândia, NBA, Obama, Trump e filmes de Cameron Crowe, tudo ao mesmo tempo, no mesmo lugar, não pode deixar as pessoas completamente normais ao longo da vida. Craig parece, ao empreender suas crônicas rápidas/lentas sobre esses aspectos, adoravelmente maluco e incapaz de evitar isso. Nós ganhamos com isso.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.