Resenhas

Criolo – Espiral de Ilusão

Agora no Samba, artista evidencia relevância de seu discurso sob qualquer estética

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Ano: 2017
Selo: Oloko Records
# Faixas: 10
Estilos: Samba, MPB
Duração: 32'
Nota: 4.0
Produção: Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral

Já faz um tempo que chamar Criolo de rapper não é incorreto, visto que foi nesse universo que ele começou a carreira e despontou, mas também nunca é suficiente – sua música mais conhecida, Não Existe Amor em SP, exemplifica isso bem. Após Espiral de Ilusão, a situação fica mais grave, já que ele não exagerou quando disse que lançaria um disco totalmente de Samba.

Seus 32 minutos, distribuídos ao longo de dez faixas, contém apenas o ritmo mais brasileiro de todos – e não se trata de uma releitura contemporânea do gênero, mas de um resgate da herança que nomes como Cartola e Adoniran Barbosa deixaram. Ao invés da formação de banda convencional (guitarra, baixo, bateria) ou dos beats comandados por um DJ, Criolo trabalhou com os elementos mais tradicionais possíveis, como o cavaquinho, o violão de nylon e a flauta transversal em um clima que transita entre o Samba refinado e uma roda em churrasco na laje.

É um lançamento que, se por um lado surpreende pelo formato, por outro ele não assusta, visto que Convoque Seu Buda (2014) já dava continuidade ao diálogo com a música brasileira (ou MPB, se preferir) que Nó na Orelha (2011) tinha estabelecido e, com ele, catapultado o artista para o tal do mainstream, a ponto de uma turnê com Ivete Sangalo em tributo a Tim Maia. Espiral de Ilusão, após tudo isso, parece ser o momento em que o músico decide mostrar que sabe ser relevante também no campo do Samba, levando seu discurso periférico ao coração do som mais consagrado do país.

Para isso, ele escolheu trabalhar em três frentes temáticas. A primeira a aparecer é a cultura brasileira, quase como uma metalinguagem ao próprio Samba. “Lá vem você com seus larará/lará laralauê” são os versos que abrem o disco em Lá Vem Você, uma narrativa que se encerra na última música, Cria de Favela, ao repetir sílabas semelhantes (“ô laraê”) enquanto também narra o cotidiano na periferia. Nas Águas, por sua vez, viaja para além da capital paulista e evoca o mar tão presente no imaginário nacional.

A segunda faixa, Dilúvio de Solidão, revela o segundo aspecto trabalhado no álbum: o romantismo, tido por tantos como um tema universal, que vem aqui acompanhado de figuras bastante conhecidas no país, como a cachaça e a saudade. Calçada, uma das mais agitadas da obra, traz um marcante “eu sofri” como verso principal do refrão e, assim, da música como um todo, o mesmo efeito que “como você dorme com isso?” tem na faixa-título. É o lado mais melancólico do Samba abraçado com força por Criolo ao longo do disco.

Por último, mas nada menos relevante, há o lado sócio-político do álbum, escancarado desde antes de seu lançamento por seu single de divulgação, Menino Mimado. Hora da Decisão chega no clímax do disco com o mesmo nível de conteúdo crítico, acompanhado de uma atmosfera triste e tensa que não perde sua beleza. Melhor ainda é notar como ele optou por dialogar com os três temas ao mesmo tempo na maior parte das faixas – as aqui citadas são aquelas nas quais um deles fala mais alto, mas tudo é trabalhado simultaneamente, no geral – construindo assim uma ambientação rica para além da forma, também no conteúdo.

E o que Espiral de Ilusão significa enquanto obra? Se na discografia de Criolo o migra da função de MC para a de puxador – e ele realiza com louvores a função, sempre convidando o ouvinte a acompanhar os refrões tão fáceis de decorar -, o disco também mostra seu crescimento enquanto intérprete, visto que seu vocal nunca foi tão convidativo e preciso fora do Rap quanto é hoje.

Para além do micro-universo do músico, é mais um disco que aproxima o público dito alternativo no país de suas raízes culturais, e o faz apostando mais em qualidade do que em um discurso de identificação ou valorização (em continuidade ao que BaianaSystem e Wado fizeram com o Axé no ano passado, por exemplo). É mais uma prova de que a música de conteúdo crítico no Brasil de hoje pode ser abraçada por uma massa que não cabe em uma bolha ou cena. Mesmo se não tão surpreendente quanto Nó na Orelha, enfim, é uma obra indispensável no referencial do que é 2017 no Brasil.

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BOM PARA QUEM OUVE: Caetano Veloso, Los Hermanos, Wado
ARTISTA: Criolo
MARCADORES: MPB, Samba

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.