Um dos respiros mais frescos e contemporâneos da psicodelia está na banda nova-iorquina Crumb, que traz uma roupagem pop/Lo-Fi com altas doses de ambientações lisérgicas e derretidas. O nome da banda reflete as cores que seu som evoca. Desde o EP Locket (2017), migalhas (ou microdoses) de psicodelia amarravam o trabalho em uma experiência indie pop, mas sem largar mão da ambientação imersiva e levemente desorientadora. O clipe do single homônimo talvez seja o exemplo audiovisual mais claro de como essa desorientação era traduzida em sintetizadores e beats quentes. Após o primeiro disco, o grupo continuou a ativar novas possibilidades dentro desse formato confortável que descobriu – fase em que, inclusive, a banda passou pelo Brasil, no Balaclava Fest. Apesar de um estilo musical muito pautado na repetição de padrões, uma dose de novidade é sempre uma boa pedida para manter a psicodelia viva – a trilha para renovar a psicodelia foi abraçar nuances introspectivas.
AMAMA é um disco que evita olhar para a psicodelia como uma linguagem de excessos. Ao invés disso, há um cuidado com cada timbre escolhido, proporcionando uma paleta orgânica e confortável. Ao mesmo tempo, os arranjos e harmonias nunca deixam o ouvinte relaxar completamente – como se a percepção da realidade estivesse levemente deformada (mas não de maneira totalmente delirante). Aliadas a esta base instrumental forte e imersiva, as letras de Lila Ramani são as mais sinceras e vulneráveis possíveis, permitindo que o ouvinte seja atingido em diferentes frentes por essa percepção psicodélica-intimista.
O violão acolhedor de “From Outside A Window Sill” é um dos primeiros sons que convidam o ouvinte a mergulhar nesse novo mundo – com camadas graduais de sintetizadores e vocais ecoados para um mergulho cada vez mais fundo. Já “Side By Side” alterna uma batida ágil e próxima das levadas drum n bass com acordes fantasmagóricos e distantes, em um hit pop ensolarado e assustador. Na faixa “AMAMA”, os cantos da avó da vocalista Lila nos conduzem por uma das canções mais sinceras e contagiantes do registro. “Crushxd” traz suavidade a partir de descompassos e acordes mais complexos, mas que, no contexto geral, soam naturais e simples de serem compreendidos. Mais tristinha, “Sleep Talk” leva a brisa psicodélica para uma melancolia inevitável e enfadonha da vida. Quase como um epílogo, “XXX” encerra o disco em uma espécie de concerto clássico e barulhento, como se apenas sobrassem restos de memórias desfragmentadas.
Com os pés firmados na inspiração psicodélica, mas sem desviar o olhar de um horizonte mais pop, Crumb segue com uma investigação de seu próprio universo. Em comparação aos dois trabalhos anteriores, há um privilégio do pop, em melodias radiofônicas – mas que surgem a partir de acordes tortos e esquisitos. E é justamente esse “esquisito familiar” o grande charme da sonoridade do grupo.
(AMAMA em uma faixa: “Crushxd”)