O produtor The Alchemist e o rapper Curren$y estão longe de serem estranhos quando se trata de colaboração. Em 2011, a dupla se reuniu para dar origem a Couvert Coup (2011), uma das melhores mixtapes da Blog Era, além de importante impulsão para a carreira do Spitta. A sinergia dos dois foi tamanha que ambos ainda lançaram a mixtape Carrolton Heist (2016) e o EP Fetti (2018), que ainda conta com Freddie Gibbs. Quase quatro anos após o último encontro, a dupla retorna com Continuance (2022), que, apesar do nome, Curren$y insiste que não de trata de uma continuação do seu primeiro trabalho com o produtor.
“Dizer que eu estou dropando a parte dois (de Couvert Coup) é uma responsabilidade grande. Meu plano é criar algo igualmente impactante, mas (que seja) um animal completamente diferente”, disse o MC em entrevista para a Complex. Em relação ao impacto de Continuance, só o tempo irá dizer. No entanto (e felizmente), a nova colaboração de Alchemist e Curren$y soa bastante distinta de um disco feito há 10 anos. Na carreira de Alan, Continuance é mais um ótimo disco na brilhante prateleira que o produtor construiu nos últimos quatro anos (entre Alfredo com Freddie Gibbs, colaborações com Boldy James e projetos pessoais). Já para Curren$y, Continuance vem com a difícil, mas bem-sucedida missão de dar uma segunda vida para a carreira do MC, que teve seu auge entre 2009 e 2012.
Com a experiência de Curren$y e a habilidade The Alchemis, Continuance tinha tudo para ser só “simples” sessões de estúdio entre dois amigos de longa data. Uma breve conversa no final de “No Yeast” oferece um vislumbre dos bastidores e mostra que produtor e MC conseguem extrair o melhor um do outro. O sample de soul presente na faixa já nos sugere o MC de Detroit, principalmente para os fãs de The Price of Tea in China ou Bo Jackson. O timbre grave de Boldy James combina com essas batidas de Alchemist, que às vezes sampleia linhas de baixo como quem perfura petróleo, criando loops profundos, pegajosos e inflamáveis, caso combinados com os MCs certos.
Faixas como “The Tonight Show” e o sintetizador sossegado de “Jodeci Tape” são verdadeiros auges do trabalho — com sons exuberantes, punchlines fortes e criatividade que, com frequência, surpreende. Outro destaque é “Obsession” e seu refrão lúdico e engenhoso. “The stage was set when I took my first breath/ I was obsessed, how much money could I get?/ I was obsessed, how could I make my paper stretch?/ I was obsessed, how many plays could we catch?”. Combina-se isso a um breve verso de 12 linhas com rimas ferozes como “Could do it like we got no sense or do it the cool way/ Nobody get hurt and all the real hustlers get paid” e “Learn how to extract them jewels from the movies you watching/ Andretti and Alchemist formed a monopoly” e eis um ótimo exemplo do melhor que ambos podem fazer juntos.
Nas 13 faixas que compõem os 37 minutos, a dupla acha espaço para a colaboração de outros seis rimadores, o que nem sempre funciona. “Corvette Rally Stripes” conta com a participação pouco inspirada de Havoc e um verso de Wiz Khalifa que começa como um carro derrapando, mas que depois retoma a pista e termina dignamente. No entanto, a música se assemelha muito a um “MF DOOM Type Beat”, o que ofusca Curren$y. Durante o projeto, ele vai melhor em beats mais relaxados, como o litorâneo “Whale Watching”.
Em uma parceria eficaz e ágil (a maioria das músicas tem cerca de dois minutos e meio incluindo skits), as facetas de Curren$y e Alchemist se encontram e se entendem. Versos sobre carros, mulheres e maconha se alojam nas batidas caprichosas de produtor – como em “The Final Board”, drumless-beat embalado por uma guitarra no estilo Casiopea, o que acrescenta subjetividade aos temas aparentemente rasos e materiais do rapper. Fruto de uma aliança harmoniosa e natural, Continuance triunfa e coloca mais um ótimo álbum na prateleira de Alchemist, além de abrir um novo caminho na carreira de Curren$y.
(Continuance em uma faixa: “The Tonight Show”)
