Resenhas

Daniel Lanois – Heavy Sun

Conhecido por assinar produções que vão de Bob Dylan a Brandon Flowers, músico canadense coloca toques de Gospel no Rock Alternativo em viagem dramática e redentora

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Ano: 2020
Selo: eOne Music
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Gospel
Duração: 41
Produção: Daniel Lanois

“Se você quiser dançar, dança aí” – é com essa despretensão que Daniel Lanois inicia Heavy Sun, álbum que chega ao mundo no ano em que o produtor canadense atinge a marca de 45 anos de carreira. A simplicidade dos versos que abrem o disco (“If you feel like you wanna dance, go ahead and do your dance, dance on”) contrastam com a ambientação crescente da música de quê ritualístico, claramente influenciada pelo Gospel, que confere dramaticidade ao convite da letra para dançar uma faixa sem percussão. Esses primeiros minutos do álbum não só guiam nossa audição como sintetizam muito da obra em si. Na posição privilegiada de ter prestígio de sobra, mas, ao mesmo tempo, de ser um nome relativamente desconhecido do grande público, Lanois encontra grande liberdade criativa para realizar uma obra de personalidade expressiva, diferente da maioria dos lançamentos com que divide nossa atenção, inclusive os de outros produtores.

Heavy Sun desenvolve suas canções em poucos timbres, muitas repetições em uma experiência que expande consideravelmente a breve duração de cada faixa. São músicas com cara de jams nas quais os instrumentos – guitarra, baixo e órgão – criam uma cama para um vocal emocionado que expressa a ânsia por tempos menos atribulados como este que vivemos. Declaradamente um álbum feito para instigar algo positivo durante a pandemia, a obra se aproveita de versos quase mântricos que se desenvolvem aos poucos, como o “people got the power” (em “Power”) que, depois de algumas repetições, resulta em “if people got the power / why can’t we be together?”. O que fica é mais a força dos versos absolutos do que suas conclusões, e eles cumprem bastante os propósitos de levar a mensagem adiante e também de despertar algum tipo de esperança no ouvinte.

É uma estética e um formato diferentes daqueles com os quais Lanois ficou conhecido ao longo das décadas, nos bastidores de gente como U2, Bob Dylan, Peter Gabriel e até Brandon Flowers, e distante também do que ele já apresentou em discos solo no passado. Heavy Sun, com uma carga dramática e espiritual que não tenta caber no formato de canção Pop Rock, se assemelha mais à trilha de Red Dead Redemption II, que ele assinou em 2018, só que sem o referencial Folk desse. A nova estética lembra mais o Rock africano contemporâneo com algo do Soul estadunidense – fãs de gente como Gary Clark Jr. e Michael Kiwanuka, por exemplo, acabam de ganhar um disco para ouvir no repeat –, abraçando sem dó o manejo Gospel de cantar e convidar os outros para o coro.

Tradicional e bastante arrojado ao mesmo tempo, o disco traz clima de “ao vivo” (tanto na masterização, quanto na energia que ele passa) e ausência de qualquer candidato a hit –duas características que reforçam como ele parece ter sido feito para ser ouvido de uma só vez, do início ao fim. Essa lógica de disco em vinil que nem sempre se aplica ao streaming. Com uma experiência que atravessa décadas e maneiras de ouvir, produzir e mesmo pensar música, Lanois apresenta um trabalho que afirma suas convicções como músico, acima de tudo o potencial que essa arte tem de unir as pessoas, encorajar em tempos difíceis e nos fazer companhia durante qualquer tipo de isolamento. Mais do que uma obra de arte impecável, Heavy Sun faz-se necessário enquanto motivação para encontrar alguma luz no fim do túnel que é o passar do tempo na temporada 2020/2021.

(Heavy Sun em uma faixa: “Angels Watching”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.