Resenhas

Deafheaven – Lonely People With Power

Em sexto disco, banda californiana retorna à sua veia mais pesada, sem abandonar as nuances elegantes adquiridas ao longo da jornada

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Ano: 2025
Selo: Black Metal, Black Gaze
# Faixas: 12
Estilos: Black Metal, Black Gaze
Duração: 62'
Produção: Justin Meldal-Johnsen

Formado no final dos anos 2000 em São Francisco, Califórnia, o Deafheaven surgiu como uma força singular no cenário do black metal, unindo o peso visceral do estilo a elementos mais etéreos de shoegaze e post-rock — uma fusão que soava tanto herética quanto inovadora para os padrões da época. Seus primeiros lançamentos, especialmente o EP homônimo e o álbum de estreia Roads to Judah (2011), já apontavam para um som carregado e esteticamente ousado, mas foi com ótimo Sunbather (2013) que a banda rompeu o underground e redefiniu as barreiras do black metal, mesclando agressividade e beleza em um disco que se tornaria referência. Desde então, o grupo passou a flertar com novas texturas, explorando até mesmo com ambientações dream pop em álbuns como Ordinary Corrupt Human Love (2018) e Infinite Granite (2021). Agora, com seu sexto trabalho, Lonely People With Power, o Deafheaven retorna à sua veia mais pesada, sem abandonar as nuances elegantes adquiridas ao longo da jornada.

O novo disco retoma com vigor o arsenal sonoro que consagrou o grupo na década passada, explorando novamente os blast-beats furiosos de Daniel Tracy, os vocais abrasivos de George Clarke e as intrincadas camadas de guitarra construídas por Kerry McCoy e Shiv Mehra. A banda reencontra o equilíbrio entre o caos e a contemplação, articulando transições dinâmicas com precisão milimétrica — riffs que explodem em catarse e texturas que flutuam entre a delicadeza do shoegaze e a brutalidade do black metal, conduzidas por uma produção densa e cristalina, mais uma vez nas mãos de Justin Meldal-Johnsen (que trabalhou recentemente com nomes como St. Vincent e The Armed).

Os altos e baixos surgem aqui de forma bastante natural, alternando ferocidade e raiva com momentos mais ternos num fluxo inebriante. As mais pesadas, como “Magnolia” e “Revelator”, são como vendavais: guitarras cortantes que se entrelaçam em estruturas labirínticas, enquanto a bateria parece puxar o ouvinte para o centro do vórtice. Por outro lado, momentos como “Heathen” e “Amethyst” oferecem merecidos respiros, com melodias mais límpidas e timbres que remetem ao dream pop e ao post-rock já trabalhados em obras anteriores. Depois da calmaria, vem a tempestade: há também faixas como “The Garden Route” e “The Marvelous Orange Tree” que funcionam como sínteses do universo da banda, explorando picos de intensidade e vales atmosféricos com bastante fluidez.

Liricamente, Lonely People With Power mergulha em temas profundos e existenciais com uma sensibilidade que já se tornou marca registrada na discografia da banda. As letras exploram memórias de infância, traumas, luto, o peso das expectativas e o vazio deixado pela ausência de sentido. A escrita de Clarke pendula pelo confessional e o enigmático, costurando imagens poéticas que se desdobram em metáforas densas e sentimentos dilacerantes. Essa densidade lírica se entrelaça de forma poderosa aos arranjos instrumentais, criando uma amálgama sonora ora agressiva, ora sublime.

O modo como as palavras de Clarke emergem em meio aos blast-beats ou se sustentam em atmosferas etéreas reforça a dualidade emocional do disco. Em faixas como “Winona”, por exemplo, versos carregados de dor e confusão são elevados por passagens instrumentais que alternam brutalidade e calma com fluidez cinematográfica. Já na derradeira “The Marvelous Orange Tree”, o lirismo introspectivo encontra nas guitarras reluzentes, coros angélicos e nas batidas esparsas o espaço ideal para florescer. É nesse constante diálogo entre forma e conteúdo que o Deafheaven transforma suas canções em experiências sensoriais completas — tão devastadoras quanto belas. O resultado desse fortuito encontro é um disco que não apenas reconecta o Deafheaven às suas raízes, mas amplia ainda mais sua linguagem sonora com sofisticação e emoção palpáveis.

(Lonely People With Power em uma faixa: “The Marvelous Orange Tree”)

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ARTISTA: Deafheaven

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts