“Eu, você, nós dois já temos um passado, meu amor”. Este verso, composto por Caetano Veloso há cerca de 50 anos, cai como uma luva na obra de Death Cab For Cutie. A banda e seus fãs definiram a natureza de sua relação naturalmente, ao longo do tempo e dos agora nove álbuns gravados, fora alguns ótimos EPs de tempos idos. Agora, com a chegada deste belo Thank You For Today, esta relação, este compromisso, esta sensação são devidamente reafirmados e revistos. Todo mundo ficou mais velho, algumas novas pessoas chegaram – algumas surpreendentes e próximas de tão distantes – e tudo, de certa forma, mudou. Assim é a vida e a banda é uma das poucas/pouquíssimas que sabe usar este passar do Tempo (maiúscula intencional) a seu favor.
A sonoridade do grupo não mudou, se você quer saber. Tudo que veio à tona com seu primeiro disco, Something About Airplanes, lançado há inacreditáveis 20 anos, continua por aqui. Benjamin Gibbard, o cérebro da banda, é o responsável por esta façanha. Com essas duas décadas nas costas, correspondentes à maturidade e a metade do caminho na ampulheta dessa nossa vida, Gibbard, claro, deixou de ser este pós-adolescente nerd de música e hoje é um quarentão sentimental, perdido num país governado por um brucutu aberrante. Para este tipo de estadunidense, este fato é quase como um mergulho no precipício do inaceitável. Sendo assim, um disco com tantas canções emocionais – e emocionantes – já é, por si, uma declaração de resistência aos tempos truculentos e lamentáveis de hoje.
Death Cab é sobre esse tipo de coisa e escrevo isso com a tranquilidade do não-fã da banda. A capacidade de perceber o modus operandi dos caras, no entanto, é minha tarefa e o que carecteriza essa gente é a sinceridade. Gibbard é um cara que acredita no poder curativo e misterioso das canções. Ele está certo, especialmente quando já tem uma composição como Brothers On A Hotel Bed, que já tem 13 impressionantes anos de idade e ainda é capaz de carregar vibrações sentimentais adjacentes como poucas – mas isso é outra história. As dez faixas presentes no novo disco são portadoras do mesmo DNA, ainda que o exibam de forma mais e menos intensa.
O destaque vai para um casal de canções. Gold Rush, o primeiro single, é uma pequena masterclasse de rock alternativo dos anos 1980, devidamente polido, pujante, remixante, dançante, intenso e portador de boas novas. Seu par é a climática When We Drive, que parece um sol poente entrando pela fresta da janela. Dá pra pensar que se ouve ruídos de gaivotas ao longe, até que a voz de Gibbard surge mixada bem próxima de seu ouvido, com a impressão de estar te aconselhando. Além delas está a beleza de Autumn Love, com pegadas de New Order na areia da praia, as percussivas You Moved Away (que lembra The Postal Service) e Summer Years, que traz a autorreferência em relação a primas distantes como We Laugh Indoors ou Blackin Out Of Friction. Tem espaço até para uma canção rapidinha e melancólica com cara de banal Near/Far bem próxima do fim do percurso.
Thank You For Today não é o melhor disco do grupo, mas é, inegavelmente, sua versão mais atual e fidedigna, que obriga o ouvinte a deixar o passado para trás, conviver com ele e entender que, se tudo der certo, dará para acessá-lo a qualquer hora, sem riscos e com o olhar calibrado pela maturidade do tempo. Parece óbvio, mas é um grande feito.
(Thank You For Today em DUAS músicas: When We Drive e Gold Rush)