Resenhas

Dengue Fever – The Deepest Lake

Cruzamento entre Rock americano e Pop cambojano segue na ordem do dia

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Ano: 2015
Selo: Tuk Tuk Records
# Faixas: 10
Estilos: World Music, Indie Rock, Alternative Pop
Duração: 47:08min
Nota: 3.5
Produção: Ethan Holtzman

Vejam que doideira: O tecladista americano Ethan Holtzman viajou para o Camboja em 1997 com um amigo. Os planos que davam conta de uma estadia curta foram modificados por causa da dengue, esta nossa velha conhecida, contraída lá pelo tal amigo de Holtzman. A dupla ficou mais tempo por lá e teve chance de aprofundar uma paixão adquirida por lá: a produção sessentista do inesperado Rock do Camboja, cheio de bandas e artistas obscuros, que faziam canções com toques psicodélicos e de Surf Music e, ao mesmo tempo, soavam como nada que ele tivesse ouvido antes. Após comprar vários cassetes e discos piratas, os dois retornaram para Los Angeles e outro inseto, a pulga desta vez, não saiu da orelha de Holtzman.

Quatro anos depois, surgia Dengue Fever. O mais impressionante é que a banda aconteceu a partir da chegada de Chhom Nimol, uma cantora cambojana, com relativa fama em seu país de origem, que mudou-se para Los Angeles. Com tantas manobras do destino, seria impossível não seguir carreira com um grupo especializando em criar canções inspiradas num som tão inovador e desconhecido no Ocidente. The Deepest Lake é o sexto álbum que a banda lança desde 2003 e o clima segue na linha tênue que divide os terrenos da novidade e da curiosidade. Nimol canta em khmer, o idioma local cambojano e o instrumental que o grupo provê é intrigante muitas vezes. A abertura com Tokay tem inflexões dançantes e que beiram a abordagem abregalhada intencionalmente de música “universal”, cheia de teclados e sonoridades deliberadamente duvidosas. A voz é aguda e contribui para a sensação de total estranheza.

Após a descompressão oferecida pela faixa de abertura, a jornada pelo mundo surpreendente de Dengue Fever prossegue com No Sudden Moves, com oscilações rítmicas que lembram algo parecido com o carimbó paraense, mas numa velocidade um pouco diferente. De novo os teclados e efeitos de baixo orçamento dão as caras e criam a impressão que estamos em alguma birosca de baixa reputação na periferia da Los Angeles de Blade Runner. Rom Say Sok é mais roqueira, aerodinâmica e perpassada por órgão Farfisa e vocais trepidantes e divididos entre Nimol e Holtzman, com direito a refrão em inglês e clima festivo. Ghost Voice investe uma condução mais tranquila e num instrumental mais tradicional, em termos de possibilidades orientais esquisitas, mas os vocais chegam e tornam tudo de outro mundo. Deepest Lake On The Planet é mais soturna e contemplativa, com destaque absoluto para as pontuações, em forma de gotas, das guitarras. Cardboards Castles retoma a psicodelia domesticada e boazinha, traduzindo uma tarde nos puteiros de Phnom Penh, a capital do país.

Vacant Lot tem percussão humana e eletrônica entrecruzadas sob uma massaroca tecladeira e guitarrística de boa cepa, que provém assoalho musical para floreios vocais agudíssimos, como se fossem uma Yoko Ono juvenil e ainda ingênua. Still Waters Run Deep é o rock do cambojano doido, iniciando com baixo pulsante e vocais em sequência, que desembocam numa levada conduzida por guitarras, bateria nervosa, baixo deliberadamente omisso e teclados corn flakes aqui e ali. Taxi Dancer é a melhor canção do disco, cheia de um balanço que poderia ser Funk, mas que pode ser cooptado por algum correspondente do leste do planeta. Golden Flute, com jeitão de música que Quentin Tarantino usaria, caso fizesse um Kill Bill vol.3, encerra o percurso inesperado e cheio de surpresas.

Ouvir um álbum de Dengue Fever é se aventurar num mundo novo mas que se livra de qualquer característica pejorativa, ou seja, que realmente parece algo novo e produzido fora da América. Mais que um exercício – verdadeiro – de estilo, a sonoridade da banda é cheia de possibilidades e está esperando pela audição daqueles seres ávidos por conhecer o novo. Boa pedida.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.