Resenhas

Descendents – Hypercaffium Spazzinate

Veteranos do Punk californiano seguem jovens e afiados

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Ano: 2016
Selo: Epitaph
# Faixas: 16
Estilos: Punk, Rock Alternativo, Hardcore
Duração: 31:01
Nota: 3.5
Produção: Stephen Egerton

Rapaz, que boa surpresa. Um novo disco desta que é uma das bandas seminais do que se entende por “Punk Californiano”, um cânon próprio dentro do que se convencionou chamar Punk Rock. Eu não imaginava que a banda encontrava-se em atividade após 37 anos de carreira, mas deveria supor que Descendents, a exemplo de seus colegas contemporâneos Bad Religion, estivesse viva e quicando por aí. A fórmula deste novo álbum, o décimo (número baixo para uma carreira tão extensa) segue inalterada: rapidez, guitarras altas e rápidas e um fraco por melodias assoviáveis e doces, herdadas do Power Pop da virada das décadas de 1970/80, tudo no lugar certo. O que temos então de novidade neste interessante Hypercaffium Spazzinate, além destes jovens sujeitos de 50 e poucos anos na contracapa?

Uma vez que Descendents fala para o jovem cosmopolita em busca de carinho e aceitação na sociedade, seus discos e canções desfrutam de espantosa perenidade, uma vez que a passagem para a idade adulta segue como uma tarefa extremamente árdua ainda hoje, mesmo com tantos avanços da ciência. Ainda é complicado ser aceito/a/x na coletividade, demonstrar amor, carinho, esconder fraquezas e vulnerabilidades, tornar-se popular. Tudo isso passa pelo indissociável percurso da busca pela maturidade e a banda sempre foi muito hábil nessa observação do cotidiano adolescente. Da pra ver caras como Rivers Cuomo, Dave Grohl e Billie Joe Armstrong, líderes e mentes pensantes de Weezer, Foo Fighters e Green Day, respectivamente, ouvindo e se identificando com as narrativas compostas pelo veteraníssimo vocalista gente boa Milo Aukerman, presente, firme e forte, à frente da banda.

Podemos dizer, sem muito drama, que o negócio aqui é mostrar para uma juventude hedonista e tecnologicamente blasé como se faz um Rock rápido e direto. O som é muito bem gravado e os riffs despejados pelo guitarrista Stephen Egerton voam se um lado para o outro, como se estivessem num Autorama. A cozinha é sólida e variada, fornecida pela dupla Karl Alvarez e Bill Stevenson, que vão segurar a proverbial marimba ao longo das 16 faixas, que, juntas, perfazem um total de 31 minutos, mostrando que a média por canção é de um pouquinho mais que dois minutos. Mas se engana quem pensa que as letras e climas propostos pela banda são nerdificantes ou superficiais. A abertura, com Feel This, mostra Aukerman refletindo apenas sobre a perda da mãe, numa letra escrita no dia do óbito. A guitarrama passa por cima de tudo como um rolo compressor. Esqueça o estereótipo de moicanos, moshs e concentre-se na habilidade e poder de fogo da banda. No Fat Burger é outro exemplo de surpresa lírica, falando sobre alguma preocupação acerca de alimentação saudável, mesmo na hora em que só restam os “podrões” da madrugada como opção.

Por todo o disco adentro a banda não deixa espaço para pensar ou respirar em busca de descanso. As pequenas e certeiras pancadas de dois minutos se sucedem, com momentos de destaque em Fighting Myself, Comeback Kid e na ótima Victim of Me, na qual Aukerman fala sobre baixa autoestima, algo que vitima jovens (e adultos) desde que o mundo é redondo. Em Smile, uma ode aos tempos difíceis em que o guitarrista Stevenson esteve se tratando de problemas de saúde, a rapidez não esconde a doçura da letra e a elaborada melodia. A teoria segue aplicada com louvor: por baixo da velocidade e dos riffs, sempre há uma melodia doce. Sempre. Mesmo assim, podemos dizer que este é um disco que não tem muito polimento em estúdio, deixando a força para o aspecto sônico como uma prioridade.

Este álbum é um atestado de vida e relevância expedido por eternos jovens, ainda com vontade/necessidade de expressar seus pontos de vista sobre o mundo e como nos posicionamos nele. Não importa, sempre teremos essas dúvidas e soa reconfortante pensar que, para muitos, elas nunca vão embora, nem com o passar do tempo. Belezura que vale a pena ser conhecida, especialmente por gente que pensa que Foo Fighters é a epítome do Rock.

(Hypercaffium Spazzinate em uma música: Victim of Me)

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BOM PARA QUEM OUVE: Green Day, Hüsker Dü, Bad Religion
ARTISTA: Descendents

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.