Resenhas

Dirty Projectors – Song Of The Earth

Entre melodias pontiagudas e harmonias dissonantes, novo disco do projeto de David Longstreth observa tragédias pela janela

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Ano: 2025
Selo: Transgressive Records Ltd.
# Faixas: 24
Estilos: Orquestra de Câmara
Duração: 64'
Produção: David Longstreth

A música de David Longstreth sempre foi formada por uma linguagem harmônica complexa, com muitos elementos “difíceis”, como compassos e assinaturas de tempo improváveis, em um esquema no qual a sensibilidade parece derivar do intelectual. Ouvir Dirty Projectors, mesmo em seu momento mais pop ou melancólico, é perceber o resultado de uma cabeça hiperativa, de caldeiras mentais aquecidas em funcionamento, despejando seu produto em composições intrincadas.

Song Of The Earth, o décimo álbum do projeto, entrelaça características habituais do Dirty Projectors — guitarra, bateria e quatro vozes, incluindo a de Longstreth — por meio de música orquestral interpretada pelo grupo de câmara Stargaze. Inspirado por uma composição vinda de outro século, a Das Lied von der Erde de Mahler, de 1908, Song of the Earth recontextualiza a angústia existencial sobre mudanças climáticas, com um senso de urgência, causado principalmente pelos incêndios mais recentes da Califórnia – mas com um sentimento de distanciamento da natureza mais amplo, catalisado por uma consciência pós-pandêmica.

O álbum é longo, com 24 faixas que se estendem por uma hora de duração e, apesar de complexo, o esforço empreendido pela orquestra mental de um homem só, aqui soa pouco burilado, pouco editado. Entre os melhores momentos de Song Of The Earth estão as parcerias – Steve Lacy e Mount Eerie dão as caras em ótimos faixas, e também Tim Bernardes participa de uma bela célula musical que deixa uma sensação de quero mais. Entre os piores, como a faixa “Uninhabitable Earth, Paragraph One” – que apresenta uma declamação quase literal do primeiro parágrafo do best-seller de 2019 de David Wallace-Wells sobre mudanças climáticas, The Uninhabitable Earth –, a poesia e a metáfora abandonam o álbum e dão lugar a uma visão amarga, desesperançada e, enfim, descolada da natureza que se propõe a olhar para começo de conversa.

Song Of The Earth parece bastante sintomático. É um álbum permeado pela urgência climática de alguém que observa tragédias pela janela, como demonstra a capa do álbum e a faixa “At Home”. Entre melodias pontiagudas e harmonias dissonantes, é um repertório sem esperança e cansado. Sua salvação surge justamente quando abre o olhar para a participação de sua comunidade, angariando músicos que, aí sim, entregam sensibilidade e transcendem o mero diagnóstico apocalíptico.

(Song Of the Earth em uma faixa: “Circled in Purple”)

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BOM PARA QUEM OUVE: Dirty Projectors

Autor:

é músico e escreve sobre arte