A pianista francesa DOMi e o baterista americano JD BECK não apenas estudam música desde que eram crianças, eles a respiram todos os dias – e o resultado dessa união é uma das sonoridades mais complexas e autênticas dos últimos anos. Ambos se conheceram durante um encontro de músicos quando já eram considerados jovens prodígios em ascensão. Desde então, o duo tem postado vídeos no seu canal do YouTube e aos poucos demonstrava uma peculiaridade cativante. Eram composições de alta complexidade e virtuosismo, com DOMi trazendo toda a livre improvisação do jazz à tona, e JD BECK elaborando figuras rítmicas pautadas tanto no fusion como no frenético drum ‘n bass.
O teor amador dos vídeos já deixava claro que ambos estavam propondo algo que fosse além de estruturas rígidas. Até mesmo nas diferentes sessions produzidas pela Nord e Zildjan, a curiosidade se mantinha, já que não havia nenhum registro nos streamings que pudesse se aprofundar naquela expressão tão curiosa. O que chamou a atenção de muitos artistas, como Mononeon, Thundercat e Ariana Grande – que convidaram o duo para se apresentar no Adult Swim! –, além deAnderson .Paak, responsável pelo selo Apeshit, que topou a grande tarefa de lançar o primeiro e aguardado disco do duo.
NOT TiGHT é um trabalho que compila diferentes momentos da curta e rica trajetória de DOMi e JD BECK. Não é um disco que procura explorar o mais ousado virtuosismo jazzístico, mas também não apela para o minimalismo. Ao mesmo tempo em que o projeto explora arranjos complicados e compassos compostos, há um apego grande ao Lo-Fi. Assim, surgem diferentes nuances e opostos que transitam harmoniosamente, em uma levada convidativa e intrincada. É um disco acessível, na mesma medida em que é desafiador, justamente porque não vai pelo caminho “audiófilo” de alta qualidade, massacrando timbres e dando novas dimensões à paleta sonora. Cada faixa tem seu encanto único.
O rico e colorido universo do duo requer um preparo e, para isso, a faixa de abertura traz um arranjo de cordas que nos aquece para as inimagináveis canções a seguir. O single “SMiLE” é um ótima opção para quem não se encaixa nem no extremo do virtuosismo, nem da simplicidade do Lo-Fi, e percorre sempre esse meio fio. Thundercat e seu baixo aparecem em “BOWLiNG, mais equilibrada e comedida, e “NOT TiGHT”, a libertação total do espírito de improviso dos três. “TWO SHRiMPS” é uma surpresa fantástica, principalmente na forma como a singularidade do duo se encaixa com o vocal de Mac DeMarco – uma espécie de indie ‘n bass. “MOON” é um encontro histórico entre diferentes gerações do jazz, com o lendário pianista Herbie Hancock em uma sessão de improviso com vozes de vocoder (aquelas do Daft Punk). Outro ponto forte do disco é a forma como, nessa loucura toda, surge um aspecto fortemente psicodélico, sendo a derretida “DUKE” e a ágil “SPACE MOUNTAiN” as melhores representantes deste estado lisérgico. “. O padrinho do duo, Anderson Paak, contribui como vocalista na faixa mais romântica do disco, “TAKE A CHANCE”. Por fim, para aqueles sedentos por uma amostra frenética de talento, DOMi e JD BECK separam dois minutos para expandir os horizontes do convencional: “WHOA”, uma faixa instrumental que desafia a contagem rítmica, e “SNiFF”, canção apresentada anteriormente ao público durante uma apresentação para Nord e que foi remodelada para surpreender os que já acompanhavam o duo antes desta estreia.
DOMi e JD BECK constroem um labirinto indesvendável de ritmos, texturas e acordes. NOT TiGHT dá uma volta pelo mundo do jazz e desembarca, surpreendente e competentemente, no Lo-Fi, com composições que arrebatam e, ao mesmo tempo, desafiam. É uma estreia que consolida o duo entre artistas da nova geração capazes de expandir as possibilidades do tal jazz fusion – termo que, nesse caso, não é suficiente.
(NOT TiGHT em uma faixa: “TWO SHRiMPS (feat. Mac DeMarco)”)
