Resenhas

Donnie Trumpet & The Social Experiment – Surf

Disco de estreia da banda de Chance The Rapper demonstra nova faceta no Hip Hop atual

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Ano: 2015
Selo: Independente
# Faixas: 16
Estilos: Hip Hop, Neo Soul
Duração: 51:34
Nota: 4.0
Produção: The Social Experiment

Provavelmente um dos rappers mais interessantes e irrestíveis dos últimos tempos atende pelo nome de Chance the Rapper. Sua estreia há dois anos nos mostrou um músico que fugia das características contemporâneas do Rap – divertido, frenético e extremamente ácido, o rapper disponibilizou sua obra como uma mixtape gratuita e caiu nos braços do povo. Seu surpreendente (mas justo) sucesso coincidiu com uma ansiedade geral em relação ao seu segundo disco, algo que ainda não aconteceu.

Entretanto, mostrando uma nova faceta do gênero na atualidade e despido de demonstrações de ego (tão comuns na indústria do Hip Hop), Chance retorna como a estrela de uma banda que transpira conexões musicais e experiência de seus recentes shows pelos EUA. The Social Experiment não poderia ter outro nome se não esse, dada a forma com que seus músicos lidam com a música criada e a sua relação social com tanto público como os artistas participantes. Acresenta-se o ótimo Donnie Trumpet, a voz metálica que conduz o pano de fundo de quase todas as composições, e temos aqui um dos discos mais interessantes de música negra feita nos últimos anos.

Seu aspecto leve e feliz pode omitir a maioria das qualidades que Surf possui, no entanto é também o seu grande triunfo ao destoar da maioria das obras de Hip Hop recentes por emanar não só outros estilos (como a Soul Music, o R&B e a World Music) como também festividade e leveza tão incomuns atualmente. Não existem protestos ou o peso de um To Pimp a Butterfly, mas, ao mesmo tempo, apresenta a mesma densidade musical e pode se nivelar com a obra de Kendrick Lamar sob outros aspectos. Revela que Chance não é mesmo um artista mediano, tanto por sua voz icônica quanto por a sua capacidade melódica conciliada com a sua rapidez de rima.

Ele está por quase todas as faixas do álbum, exceto os seus interlúdios instrumentais que são muito bem conduzidos pelo ótimo trompetista Donnie – seu estilo jazzístico e folclórico coloca faixas como Nothing Came to Me (um sopro de Miles Davis e seu Sketches of Spain) ou Something Came to Me como alívios sonoros imediatos e relaxantes na obra. Aliás, The Social Experiment) é muito do que precisamos no Hip Hop atual ao ser composto integralmente com uma banda, o que acrescenta imensamente a criação de batidas. Os compassos bem marcados presentes em produções modernas existem aqui, mas também permitem instrumentação ao vivo, experimentação e menos objetividade.

Disponibilizado de graça aos mesmo moldes de Acid Rap, ele também esconde suas participações especiais, as omitindo de sua versão para download no iTunes. Essa vontade de esconder a aparência aparece no fato de Chance não ser nunca um featuring, mas um membro da banda, assim como por não mostrar que temos aqui o disco mais estrelado do ano. Isso tudo acaba dizendo ainda mais sobre a obra como um todo: ela quer trazer a música em primeiro lugar e de forma gratuita e acessível. Estão aqui presentes nomes como Busta Rhymes e Janelle Monáe na fanfarra sexy de Slip Side e J Cole na cheia de Soul e chapante Warm Enough, enquanto Jeremih aparece em Wanna Be Cool, faixa que é jovem o suficiente para ser abertura de seriado um adolescente.

Isso sem contar as outras participações dentro dessas faixas com novos artistas que sabem participar da festa de Surf muito bem, como Jesse Boykins III (um dos nomes mais interessantes do Neo Soul atual e cheio de influências eletrônicas) na viajante Go ou Raury (um dos MCs elogiados recentemente no site), que praticamente detona a faixa Windows junto de BJ The Chicago Kid e Chance. Aliás, essa faixa mostra uma conexão com ritmos mundiais e quase que quebra as expectativas de um disco de Hip Hop. Suas raízes africanas em cânticos tribais e percussão mostram que a preocupação do grupo e de Donnie Trumpet é mostrar que existem outras possibilidades dentro da música e que elas não se resumem aos paradigmas atuais.

Símbolo da música negra, Erykah Badu aparece em Rememory como a coroação de tudo que Surf passa: uma viagem de carro por diversos estilos musicais desse gênero com rappers jovens talentosíssimos, alguns membros da velha escola que ajudaram a compor coletivamente uma obra que surge desde o começo como algo distinto do que vemos por aí. Logo, a maciez com que o disco passa por cada faixa e seu alto astral fazem da estreia da banda como algo que fala por si só e que deve ser ouvida sem prestar atenção em nome de músicas ou participações especiais. Ao final, a música prevalecerá.

Donnie Trumpet & The Social Experiment – SURF [New Album]

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.