Resenhas

Dua Lipa – Future Nostalgia

Em seu segundo disco, britânica dirige rumo ao futuro enquanto olha pelo retrovisor e soa grandiosa, versátil e irresistivelmente Pop

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Ano: 2020
Selo: Warner Records
# Faixas: 11
Estilos: Pop, Electropop
Duração: 37'
Produção: Stephen “Koz” Kozmeniuk, Ian Kirkpatrick, Stuart Price, Jeff Bhasker

Se muitos artistas sentem medo do inevitável segundo disco, Dua Lipa estava extremamente confiante. Depois do sucesso de seu debut homônimo em 2017, lançou faixas com nomes como Calvin Harris (“One Kiss”), Major Lazer (“My Love”), Mark Ronson (“Electricity”) e até mesmo Brockhampton (“SUGAR”). Além de reforçarem seu apelo pop, as colaborações expandiram suas referências musicais. Para o seu segundo álbum, lançado no final de março, a britânica entrou sozinha e com os dois pés na porta em sua fase Future Nostalgia – sem colaborações e com um conceito muito bem amarrado. No disco de estreia, a cantora flertava com baladas e Electropop. Já no trabalho atual, está de olho na Disco Music e nos anos 1980, usando o melhor das suas parcerias para criar um registro grandioso, cheio de guitarras vintage e muitos graves dançantes.

Logo no início, na faixa-título, a artista apresenta, ao som de belos timbres de sintetizadores, o seu conceito principal de Female Alpha, que exala assertividade e tiradas irônicas com o mundo patriarcal. “I know you ain’t used to a female alpha (no way, no way)” / “Sei que você não está acostumado com uma mulher alfa (de jeito nenhum)”. Ela também diz que não pode ensinar seu homem a usar as calças, entre outras frases sarcásticas que, além de presença de espírito, apresentam uma artista que sabe que está no topo.

Dua Lipa fala sobre estar apaixonada, sobre relacionamentos e também sobre empoderamento. O seu apelo ao feminismo da internet vem desde “New Rules” (2017) e ganha novos contornos com “Boys Will Be Boys”, faixa de encerramento do novo trabalho. Guiado por uma orquestra, o gran finale é a única faixa em que ela tira o pé – mas não tanto – do acelerador. E amarra sua tese sobre os homens: em um mundo onde meninas logo se tornam mulheres, eles serão garotos para sempre.

A própria cantora aparece mais confiante de sua potência vocal e de seu estilo, aperfeiçoamentos que consolidam sua persona artística e elevam seu status não apenas com a relação à admiração do público, mas sobretudo frente à crítica especializada. Laura Snapes, editora de música do The Guardian, descreveu o novo álbum como “visionário” e o comparou ao trabalho de grandes medalhões. “O refrão de ‘Hallucinate’, ‘I Feel Love’ parecem entrar em uma dimensão interestelar. As referências são habilidosas – synths brilhantes como os do Prince, uma referência a Gloria Gaynor, sample de INXS em ‘Break My Heart’ e um remix darkwave de ‘Physical’, de Olivia Newton-John”. Lipa também recebeu uma nota 10 da NME, além de resenhas elogiosas de Rolling Stone e Pitchfork.

Reaproveitar e remixar o passado pode ser problemático quando, digamos, soa copiado ou emulado demais. Mas, no caso de FN, a sonoridade é original, com a cara de 2020. Em “Physical”, lançada como single no final de janeiro, coloca-se uma letra motivacional sob um thriller futurista – até os timbres do início são neo sci-fi. Dentro da atmosfera intergaláctica da música, você precisa “dançar como se não tivesse opção”. Afinal, quem precisa dormir? Você pode subir uma montanha imaginária na aula de bicicleta ou bater o cabelo na festa até o sol raiar. Ela soa grandiosa, Pop e versátil.

Para além das propostas para as pistas, há características que apimentam o resultado: doses de Funk, flertes com o Soul e lindos violinos. Outra marca presente nos dois discos da cantora é a escolha de metáforas. Enquanto o primeiro trabalho traz títulos como “Genesis” e “Garden”(do Jardim de Éden), aqui, ela expande a paisagem para ares cósmicos, viajando, em “Levitating”, pela Via-Láctea, as galáxias, as estrelas e o luar.

Não à toa, esta foi a primeira canção escrita para o álbum, como ela contou em entrevista à BBC. Segundo a cantora, o processo de Future Nostalgia foi diferente – ou até reverso – daquele com a qual ela estava acostumada: primeiro, teve a realização sobre seu mood no período e, em seguida, debruçou-se sobre as ideias de composição/produção. O ritmo marcado pelo grave e pelas palmas dá o tom ao longo da track, que marcou o início do novo registro e solidificou o conceito reinante em todo o repertório. Na letra, há a busca por um amor que a faça levitar, que a leve para viajar longe dessa realidade.

Como letrista, Dua Lipa se manteve fiel a seus temas, porém com a maturidade de uma ex-jovem cantora, que, em três anos, já se posiciona em patamar semelhante ao de grandes divas da música Pop atual. Ela ainda conta com parceiros experientes: “Cool” tem contribuição de Tove Lo e o hit “Don’t Start Now” traz o talento de Emily Warren, coautora de mais de 90 faixas por aí – entre elas, “Boys”, de Charli XCX”, e mais uma porção de colaborações com nomes como Sigrid, The Chainsmokers, Sean Paul e Little Mix.

Diferentemente das músicas-para-chorar-na-pista, de Robyn ou Lorde, ou as letras espertinhas de Lily Allen, a artista caminha por um meio termo que pode agradar a todos esses públicos – carentes de um Pop de qualidade, divertido e competente durante a quarentena. Enquanto Lady Gaga decidiu adiar o lançamento de seu disco devido à pandemia, Dua Lipa adiantou a data e lançou antes do planejado.

O resultado não poderia ter sido mais certeiro e o álbum voou diretamente para os topos das paradas gringas. Outro triunfo do projeto, que dialoga com fãs de Madonna a Billie Eilish, vem do aspecto palatável e relacionável, como no clipe “Break My Heart”, lançado no final de março: o cenário é futurista, mas os looks são à la Patricinhas de Beverly Hills, com presilhas no cabelo e o combo tailleur com saia.

A proposta não tem a pretensão de ser experimental ou soar esquisita, mas, sim, condizente com a identidade da artista de 24 anos. Pode ser apelativo e um pouco dramático no jeito de se expressar? Sim. Cria da internet, a cantora é fruto da cultura dos anos 2000, logo, suas referências são características de uma geração. A sua visão de passado pode parecer recente demais para algumas pessoas ou completamente inovadora para outras. Ao mesmo tempo, não deixa de ser um palpite para o futuro especulado pela cantora: o das mulheres poderosas e donas de suas próprias narrativas.

(Future Nostalgia em uma faixa: “Hallucinate”)

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ARTISTA: Dua Lipa

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