Resenhas

Earl Sweatshirt – Doris

Com um tom depressivo e confessional, novo álbum do rapper se destaca na sua curta obra

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Ano: 2013
Selo: Tan Cressida
# Faixas: 15
Estilos: Hip Hop
Duração: 44:07
Nota: 4.0
Produção: Tyler The Creator, Neptunes, RZA, Frank Ocean, Randomblackdude

Earl Sweatshirt sempre foi visto como um dos mais talentosos membros do Odd Future, coletivo de Rap baseado em Los Angeles e representado em grande parte por Tyler, The Creator e Frank Ocean. Com uma pequena e elogiada mixtape, Earl de 2010, o rapper sempre teve muita expectativa ao redor de seu nome. Quando seria lançado finalmente o seu disco de estreia? Ótimas participações em discos de outros artistas do mesmo grupo só despertavam o interesse e a curiosidade da cena para seu trabalho.

No entanto, algo nesse meio tempo impediu que Earl chegasse a lançar mais cedo o seu debut Doris. Internado pela sua mãe em uma clínica de reabilitação para jovens com problemas de comportamento em Samoa, o rapper ficou isolado até completar 18 anos. Não totalmente, pois versos e contribuições surgiam mesmo com distância, mas tais fatores fizeram com que somente em 2013 pudessemos realmente entender o seu talento. Seguindo a mesma atmosfera dos rappers do coletivo em que o peso, letras agressivas e a letargia são os elementos chave, Sweatshirt surge como um músico antagônico ao líder, Tyler, the Creator.

Não necessariamente pelas batidas, as quais são seguem as mesmas inspirações com seus baixos pesados e um clima que puxa o ouvinte para o subsolo devido a sua hostilidade. No entanto, Tyler é muito mais nervoso, enérgico e rápido enquanto Earl segue a linha de versos mais lentos, quase sinestésicos com os grooves feitos aqui e dá a sensação de ele está em constantemente chapado ao longo de Doris. Sem parecer pejorativo, só estamos dando indicações de que quem for se aventurar pelo interessante mundo de Sweatshirt deve estar preparado desde já para acompanhar um artista muito mais psicodélico que o seu líder.

A abertura Pre com a participação de SK La’Flare é semelhante a dirigir bem devagar a noite em um bairro residencial. Curvas feitas em câmera lenta enquanto os versos aparecem a cada troca de marcha. Extremamente letárgica, sentimos os olhos caídos de Earl logo na sua entrada com seu timbre de voz grave e sua levada nebulosa. No começo de Burgundy escutamos “What’s up, nigga? Why you so depressed and sad all the time, like a little bitch? What’s the problem, man? Niggas want to hear you rap. Don’t nobody care about how you feel, we want raps, nigga.” O rapper não está claramente bem ao dizer que sua vó acabou de falecer e que não consegue lidar com as expectativas em relação ao seu disco. A voz grave sampleada é a figura do produtor dizendo que não se importa com ele mas somente com a execução de seu trabalho.

Para um disco de estreía, Doris tem participações especiais de muito respeito. Além dos companheiros de Odd Future como Tyler, Frank, Vince Staples e Casey Veggies temos um dos grandes nomes do momento, Mac Miller e RZA do histórico Wu Tang Clan. Mais do que aparecerem com versos esparsos como forma de divulgar o seu talento, cada um funciona como um contraponto aos versos depressivos e esfumaçados de Earl. Como Sasquatch com Tyler que surge como uma das faixas mais violentas de todo o disco, em que o participante despeja toda a sua raiva quase que cuspindo-a na cara do ouvinte.

Sunday é um paradoxo no meio da atmosfera pesada de todo o disco, e Frank Ocean contribui muito aqui para deixa-la um pouco menos triste. No entanto, vemos aqui o grande conflito de Earl com a maconha. No versos, “All my dreams got dimmer when I stopped smoking pot Nightmares got more vivid when I stopped smoking potAnd loving you is a little different, I don’t like you a lotYou see, it seems like” Ele realmente está confuso e não consegue entender tudo o que está ocorrendo. O grande momento confessional ocorre na própria Burgundy em que o rapper consegue despejar toda a sua raiva e instabilidade “And I’m stressing over payment, so don’t tell me that I made it Only relatively famous in the midst of a tornadoMisfitted, I’m Clark Gable, I’m not stable”.

Coincidente com o ambiente urbano, Doris é o disco perfeito para ser escutado em movimento. Não em festas mas sim caminhando pela cidade enquanto cada faixa parece te levar para um lugar distante e as batalhas da vida se tornarem menos rígidas e mais fáceis de batalhar como a ótima 20 Waves Cops ou Chum, um dos poucos momentos que Earl tem a música só pra ele. A batida concentrada em um piano em loop é perfeita para a letra que aborda toda a vida do músico, e nos emocionantes versos “Searching for a big brother, Tyler was that And plus he liked how I rap, the blunted mice in the trap” mostrando que o Odd Future é muito mais que um grupo mas sim uma comunhão de jovens que até então estavam perdidos na vida.

O espaço da psicodelia fica com Knight com Domo Genesis em um dos melhores samples do disco, e na excelente Guild com Mac Miller. Nesta somos jogados ao que já podemos considerar de Hip Hop jazzístico com linhas livres de verso, um certo aspecto Lo-Fi enquanto tragadas são sentidas a cada rima entre os dois artistas. Quando dissemos que a erva é papel fundamental no trabalho de Earl, surge Molasses com RZA em uma das letras mais irônicas, quase um contraste a Jay-Z ao dizer “99 problems all gone in that one joint” enquanto a batida parece circular a cabeça do ouvinte como um carrosel. Os momentos chave de Doris ficam, no entanto, com Hive, faixa que expressa muito a mistura entre depressão e peso que permeia toda a sua obra. Hostil, tem um dos baixos mais ameaçadores do Hip Hop no ano e backing vocals amendrontadores. As participações de Vince e Casey são muito bem-vindas, e desta vez não aparecem como contrastes mas sim como afirmações da letargia de Earl. Whoa é viciante e tem a melhor parceria de todo o disco, Tyler e Sweatshirt fazem esta a melhor faixa de todo o disco e porque não, do Odd Future no ano. Esteja preparado para não tirá-la do repeat, e a cada nova execução prestar atenção a uma nova caractéristica de sua construção.

Inevitavelmente, qualquer artista que saia do Odd Future será comparado a Tyler, The Creator. No entanto, enquanto alguns artistas parecem somente tentar capturar a essência do grupo e dar um pouco de toques pessoais, Earl pega todo o conceito deste novo Hip Hop e os expressa de um jeito diferenciado. Depressivo, algumas vezes experimental mas confessional com histórias que só a vivencia de Earl poderia ter, Doris é um ótimo disco. Confuso e letárgico em outros momentos, expressa o momento que o músico vive e toda a pressão que um garoto de 19 anos enfrenta no dia a dia. Os escapismos e sua relação com as drogas são consequências de tudo isso e não diminuem o real talento do músico. Três anos não parecem mais tanto tempo assim quando podemos finalmente escutar esta grande obra.

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MARCADORES: Hip Hop, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.