Resenhas

Elliott Smith – Elliott Smith

Silencioso e magnético, segundo disco define o diagrama do que seriam suas canções futuras

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Ano: 1995
Selo: Kill Rock Stars
# Faixas: 12
Estilos: Singer-Songwriter, Indie Folk
Duração: 37’
Produção: Elliott Smith

Um garçom acompanha o último cliente para fora do bar. Sabemos que chove do lado de fora, porque é possível ouvir o barulho dos pneus dos carros contra o asfalto molhado. Enquanto vira a placa com o sinal de “fechado” pendurada na porta, ele assobia a trágica canção popular “Oh My Darling Clementine”. O sujeito expulso, completamente bêbado e enxergando tudo em câmera lenta, ao ouvir a música, pensa no seu relacionamento, que lentamente se aproxima do fim.

Essa é a cena que Elliott Smith constrói em “Clementine”, terceira faixa de seu disco homônimo de 1995. Na canção tradicional, Clementine é a filha de um minerador, que morre afogada. Na versão de Smith, a tragédia não está colocada, apenas o assombra como uma força invisível, dando a impressão de que é ele quem está afogado na própria angústia.

O tom de simplicidade é outra coisa em comum entre ambas, embora sejam duas músicas muito distintas. Na versão de Elliott Smith, dois violões e duas vozes sobrepostas em uníssono cantam sobre um quadro melancólico do cotidiano. O que vem antes dele está pressuposto. O que acontece depois, por sua vez, fica a cargo do ouvinte.

A associação do músico com a Folk Music sempre lhe causou desgosto – e imagino que muitos artistas fiquem desconfortáveis diante da classificação de seu trabalho. No entanto, o que Smith propunha era muito incomum para o cenário em que estava inserido, alienado em meio às bandas de Rock Independente de Portland nos anos 1990. O violão, para ele, mais do que um instrumento feito para contar histórias, era uma estratégia de poder falar mais baixo, e prestar mais atenção aos detalhes subentendidos.

Elliott Smith é o segundo álbum da discografia do músico, mas pode ser visto como seu primeiro álbum solo oficial, lançado pelo selo Kill Rock Stars. Assim como Roman Candle, foi gravado na casa de amigos, no porão, ao lado de um gravador Tascam de oito canais.

Em uma entrevista à revista à Under the Radar, Smith confessa que, quando tinha 12 anos de idade só compunha transições – a parte que, no Rock, antecede o refrão –, o que para ele configurava o seu momento favorito de uma música. É isso que me chama a atenção em “Clementine”: ela é apenas um fragmento, mas é o suficiente para funcionar como um exemplo primordial de sua música. Em Elliott Smith, o álbum que leva o seu nome próprio, o artista definiu o diagrama do que seriam suas canções futuras. Nelas, todas as partes são a melhor parte.

As músicas do álbum fazem muitas alusões ao uso de drogas. Faixas como “Needle in the Hay”, “Christian Brothers” e “The White Lady Loves You More” trazem a heroína, o álcool e a cocaína como elementos protagonistas. É natural, e praticamente inevitável, a tendência do ouvinte de procurar fatos literais, confissões autobiográficas nesse tipo de música. No entanto, parece ser mais interessante observá-las como situações que ditam um clima específico, no qual sentimentos como a dependência e a apatia estão interconectadas. Ao longo de Elliott Smith, o músico nos guia por um exercício de metaforização, revelando, nas entrelinhas, coisas implícitas: “eu vou te guiar por essa cidade do alfabeto”, ele canta em “Alphabet Town”.

E ele o faz com uma voz sempre baixa, mas que possui um poder magnético. Smith chegou a declarar que estava cansado de pessoas gritando nos shows, uma situação comum quando tocava com a sua banda Heatmiser. Para ele, tocar ao vivo sempre foi uma luta, equivalente a subir na arena e encarar um touro. Em sua carreira solo, ele conseguiu criar um ambiente de silêncio, mas a dificuldade nunca amenizou, o que pode ser sentido ao longo das melodias discretas de Elliott Smith. É graças a essa luta, no entanto, que ele nos deixou o seu legado musical.

(Elliott Smith em uma faixa: “Clementine”)

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ARTISTA: Elliott Smith

Autor:

é músico e escreve sobre arte