Resenhas

Elvis Costello – Hey Clockface

Com mais de 40 anos de carreira, célebre músico britânico ainda mostra energia vital e capacidade de se aventurar sem perder a essência

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Ano: 2020
Selo: Concord Records
# Faixas: 14
Estilos: Rock, Punk, New Wave, Singer-Songwriter
Duração: 49'
Produção: Elvis Costello e Sebastian Krys

Eis que Elvis Costello chega à marca de 31 álbuns lançados ao longo de pouco mais de 40 anos de carreira: Hey Clockface mostra como o músico britânico possui fôlego de sobra para apresentar algo novo, ao mesmo tempo em que o repertório revela um artista que não se sente na obrigação de inovar o tempo todo. Isso porque nem todas as 14 faixas que compõem a obra apresentam uma estética referencialmente contemporânea. Retomando a parceria com o argentino Sebastian Krys (que também produziu o anterior, Look Now, de 2018), Costello segue no desenvolvimento de uma musicalidade madura que o distancia de sua gênese Punk sem nunca negá-la. A própria liberdade que ele se dá ao longo do disco exala um artista cuja inquietude criativa justifica a extensa discografia.

Em Hey Clockface, ele escancara sua face de crooner, dialoga com spoken word e nos relembra que, seja recitando ou cantando, suas melhores características são a de um grande contador de histórias. E são elas as que marcam a audição do disco, já a partir da introdução “Revolution #49”, poema cujo clímax no verso “Love is the one thing we can save” estabelece a aura densa e nebulosa que a obra ostenta. Quem chega até o álbum a partir de sua celebradíssima versão de “She” – que já ultrapassa os 20 anos de lançamento, mas permanece popular nas plataformas de streaming – encontra baladas primorosas e atemporais (“They’re not Laughing at Me Now”, “The Whirldwind” e “Byline”, por exemplo), mas há um fardo obscuro que paira sobre o repertório, uma melancolia palpável que vai de encontro ao romantismo que alguns podem ligar ao artista.

Mas é sua veia Punk a que mais pulsa ao longo da obra e dita o clima das histórias contadas – não o Punk juvenil de sentimentos e sensações incendiárias e efêmeras, mas o da mentalidade não conformada. Suas narrativas mostram pessoas de alguma forma desamparadas, seja na amargura das decepções (“Newspaper Pane”), nos jazigos de relacionamentos passados (“I Can’t Say Her Name”) ou na culpa carregada internamente (“The Last Confession of Vivian Whip”). São casos e reflexões sobre o que deveria ter sido diferente e acabou em lamento, o que nasceu de um sonho para definhar em realidade – algo que sua voz pesada contempla com certa naturalidade.

Do alto de seus 66 anos, Costello constrói um repertório que demonstra a versatilidade de seu vocal dentro dessa paleta de cores cinzenta. Há espaço para uma estética jazzista (na faixa-título e em “I Do (Zola’s Song)”, mas cabem também faixas que flertam com sons de hoje em dia: “No Flag” segue o Post-Punk britânico de bandas como IDLES e “Hetty O’Hara Confidential” poderia ser uma parceria com Gorillaz. Escolhidas a dedo, as duas faixas não estabelecem o músico como alguém que se sinta na obrigação de pertencer ao agora, até por serem minoria no repertório. Ao invés disso, Hey Clockface apresenta um artista livre para passear em musicalidades e nas eras que elas evocam no ouvinte, tudo com base nas histórias que tem para contar. Como um bom cineasta ou dramaturgo, ele escolhe os recursos que julga melhores para cada uma de suas narrativas, ao invés de se prender a um só jeito de produzir. O fio condutor entre elas é o grave potente de sua voz, e a energia vital que amadureceu com ele, mas nunca envelheceu.

(Hey Clockface em uma faixa: “We Are All Cowards Now”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.