Resenhas

Ethel Cain – Perverts

Com linguagem particular, Hayden Silas Anhedönia manuseia possibilidades desarmônicas em narrativa densa sobre dor, perdão e pecado

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Ano: 2025
Selo: Daughters of Cain
# Faixas: 9
Estilos: Drone, Ambient, Noise
Duração: 89'
Produção: Ethel Cain

Qual é o limite do “suportável” em uma obra de arte? É difícil imaginar que um ponto com tal clareza exista, principalmente se tratando de algo tão subjetivo. No entanto, há artistas dispostos a encarar a missão, forçando e redefinindo os limites daquilo que é convidativo ou repulsivo. Hayden Silas Anhedönia está entre as artistas que se aventuram por essa margem. Os rumos de sua experimentação estão diretamente associados à persona que a artista construiu e que se apresenta como Ethel Cain – algo como uma representação do que poderia ter sido a sua própria história caso não tivesse optado por viver.

Suas músicas trazem uma mistura de narrativa biográfica com elementos ficcionais que tocam em temas perturbadores e gráficos. Os símbolos religiosos e as histórias contadas em suas letras trilharam o conceito dos lançamentos que antecederam o seu elogiado disco de estreia, Preacher’s Daughter (2022). Naquele momento de sua trajetória, como contraposição à dureza de suas narrativas, Ethel Cain se apoiou em uma sonoridade ensolarada, com ecos que vão do dream pop aos arranjos melancólicos do midwest emo. No entanto, em seu mais recente trabalho, Perverts, ela se movimentou em direção a linguagens menos harmônicas e mais pautadas em sons, digamos, de difícil compreensão. Uma mudança de sonoridade ousada que poderia nos afastar é, na verdade, a prova da genialidade de Ethel Cain.

Silêncios longos, barulhos de vazios intensos e registros de vozes demoníacas são apenas alguns dos elementos que Hayden usa para continuar a história de Ethel Cain. Ao invés de iluminado, o disco tem tons escuros, quase fantasmagóricos. Com uma hora e meia de duração e 9 faixas, o disco desafia formatos e expectativas de “canção pop”.  É um trabalho que exige a atenção do ouvinte, direcionando seus ouvidos para sons menos musicais – barulhos, sons esganiçados e estridentes. Mesmo assim, Ethel Cain não se desprende das texturas hipnóticas de sua voz junto de acordes abertos e convidativos. O grande apelo está justamente nas diferentes misturas entre confortável e desconfortável – para além da possibilidade de definir com exatidão os sentimentos que a síntese nos suscita.

A faixa-título abre o disco com 12 minutos de uma odisseia sônica que mistura cantos cristãos, frases de perdão sobre masturbação e influências pesadas de drone music. O single “Punish” é uma balada melancólica de piano que vai crescendo e sendo distorcida aos poucos – sem perder o poder da voz de Hayden. “Houseofpsychoticwomn” contrapõe um clima tenebroso e noturno a melodias de coros de igreja, sons de ultrassonografia e ruídos estranhamente confortáveis. “Vacillator” nos dá algum sustento rítmico, mas em andamento lento, nos forçando a apreciar cada nota em seu impacto mais profundo. “Pulldrone”, como o nome sugere, testa o ouvinte a partir de sons constantes e contínuos – uma metáfora para o sofrimento mental recorrente. Por fim, “Amber Waves” dissolve os ruídos em uma grande massa sonora com a voz de Ethel Cain ecoando eternamente.

Entre elementos harmônicos e desarmônicos, Perverts desenvolve uma linguagem própria para a dimensão emocional em que Ethel Cain se propõe a mergulhar. Com esse disco, ela nos mostra que sua criação conceitual extrapola referências radiofônicas – e que o ruído, muitas vezes, é a única forma clara o suficiente para contar uma história.

(Perverts em uma faixa: “Pulldrone”)

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ARTISTA: Ethel Cain

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique