“Gosto de me considerar um dançarino, um dançarino profissional. No entanto, nunca recebi um centavo para dançar e continuo dançando até o fim”. Essa frase retirada de “Our Element (Act 3)” soa como um manifesto para “Dance, No One’s Watching”, terceiro disco de estúdio do quinteto londrino Ezra Collective. As palavras parecem capturar não só o espírito do álbum, mas da própria banda, que se consolida como uma das grandes potências do cenário atual do jazz inglês. Se o jazz talvez possa ser lido como um estilo para se ouvir parado, o grupo explora a liberdade da dança – não como algo coreografado, mas como possibilidade de expressão autêntica e apaixonada.
A banda – formada pelos irmãos Femi (bateria) e TJ Koleoso (baixo), Ife Ogunjobi (trompete), James Mollison (saxofone) e Joe Armon-Jones (teclados) – surgiu nos pequenos clubes de jazz de Londres. Começou com uma promessa desse cenário underground e foi ganhando reconhecimento por suas performances explosivas – daquelas impossíveis de ficar parado. Com expansão para novas sonoridades e a maior maturidade na produção, o quinteto se tornou um ícone de resistência e autenticidade na cena londrina, culminando na vitória do Mercury Prize em 2022 com o disco Where I’m Meant to Be – o primeiro disco de jazz da história da premiação a ser laureado, uma conquista e tanto.
Dance, No One’s Watching é um disco vibrante, em que o jazz se transforma em ponto de encontro para outros estilos. As faixas pulsam com uma mistura de funk, dub, afrobeat, neo soul e highlife, mas sempre mantendo o jazz como principal alicerce – enquanto ele sai para bailar e explorar a liberdade da pista de dança. Em faixas como “The Herald”, o groove do baixo de TJ Koleoso e o trompete de Ogunjobi embaralham as fronteiras entre o jazz e o funk. Já em “Ajala”, a banda celebra o aventureiro nigeriano Olabisi Ajala numa jornada sonora que desafia qualquer rótulo.
Essa vibração dançante se concretiza no álbum por meio do groove. Em “God Gave Me Feet For Dancing”, o ritmo desacelera para uma vibe acolhedora do neo soul, com a voz suave de Yazmin Lacey. “Streets is Calling”, colaboração com o rapper ganense M.anifest e a cantora sul-africana Moonchild Sanelly, se torna uma ode ao entusiasmo antes da festa (quase como se algo nos chamasse para as ruas), canalizando um funk contagiante que ecoa influências de dub e highlife. Cada faixa parece preparar o terreno para a próxima, levando o ouvinte por uma jornada catártica e irresistivelmente dançante.
Para Femi Koleoso, líder e baterista da Ezra Collective, a obra é uma “declaração de liberdade”. Como ele mesmo descreve, “este disco diz que você pode ser quem quiser, independentemente do que está ao seu redor, independentemente do que as pessoas dizem, porque em um nível mais profundo, ninguém está te observando”. Essa afirmação é na verdade um tratado sobre Dance, No One’s Watching, um álbum que celebra a música e a dança em sua forma mais livre. É um convite para que todos nós, sem exceção, encontremos na pista de dança o espaço para sermos quem realmente somos.
(Dance, No One’s Watching em uma faixa: “God Gave Me Feet For Dancing”)