Desde que Josh Tillman abandonou as baquetas da Fleet Foxes, parou de assinar os álbuns autorais com seu nome próprio e adotou o codinome Father John Misty, ele vem investindo na construção de sua personalidade crooner. É uma via crucis palmilhada com diligência, afinal, lá se vão 12 anos e 6 discos no currículo, constituintes de uma carreira inspirada por figuras como Nick Cave, Leonard Cohen e outros grandes cantautores que declamam a sua angústia profunda trajados com terno e gravata. Agora, com Mahashmashana, ele atinge uma espécie de ápice conceitual de seu “personagem de si mesmo”.
Existe uma ilusão auditiva chamada Tom de Shepard, que consiste em ondas sonoras interpoladas de tal maneira que temos a sensação de estar ouvindo uma frequência sonora que nunca para de ascender. É essa a sensação que, para mim, melhor explica a ambição em Mahashmashana, em que Tillman concatena seu opúsculo de oito faixas, das quais as menores têm pouco mais de quatro minutos de duração e a maior ultrapassa os nove de grandes arroubos sonoros.
Tillman, ou melhor, Father John Misty, usa o imaginário religioso — mas principalmente o cristão — para refletir sobre os pecados do mundo, retomando o clássico conflito Homem x Deus, enxergando virgens Marias em todas as esquinas da cidade, murmurando “Ó Pai, por que me abandonaste?”, enquanto fuma um cigarro no café da manhã e escrevendo verborragicamente sobre suas impressões. Menos do que o conflito primordial entre céu e terra, no entanto, vemos o homem desgarrado e desgrenhado falando consigo mesmo pelas ruas, alguém fascinado pelos grandes assuntos da condição humana, mas incapaz de apreendê-los dentro de si.
Embora seja um álbum com bastante dinâmica, o maximalismo é a palavra de ordem por aqui. Father John Misty constrói sua música como um movimento orquestral, com versos e mais versos a fio, de onde brota uma substância sonora que nunca cessa. A sonoridade varia entre grandes ondulações e massas de som a momentos mais introspectivos — reminiscentes de Cake e Silver Jews —, além de toques de folk eletrônico, com alguns acentos de Bon Iver. No fundo, em todas as influências, do crooner ao stoner rocker, Tillman traça uma geografia muito estadunidense na sua música.
Em Mahashmashana, Tillman lamenta, reclama, contempla, ri dos vetores internos que nos puxam para becos sem saída, raramente olha no espelho e, se olha, não gosta do que vê, mas ainda assim fica encantado com a imagem que brilha no reflexo. Nesse movimento, ele vai construindo o épico de sua mitologia pessoal em mais um álbum cheio de sarcasmo e baladas sonoras.
(Mahashmashana em uma faixa: “Mahashmashana”)