Resenhas

Fernando Motta – Desde Que O Mundo É Cego

Segundo disco de compositor mineiro constroi um fantástico conto de esperança por meio da fragilidade

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Ano: 2017
Selo: Geração Perdida
# Faixas: 10
Estilos: Emo Revival, Shoegaze, Sadcore
Duração: 36:53
Nota: 4.5
Produção: João Carvalho

De toda a Geração Perdida de Minas Gerais, seu integrante mais ardiloso e astuto talvez seja Fernando Motta. Por mais que a expressão de garoto sem jeito lhe confira um certo ar de ingenuidade, ele sabe exatamente o que apronta a cada ato que planeja. Mesmo que sua carreira solo tenha começado há relativamente pouco tempo, o mineiro já carrega nas costas um excelente disco de estreia, bem como uma invejável turnê com mais de cem shows realizados ao lado de Jonathan Tadeu e Vitor Brauer.

Misturando o Emo, com toques de Shoegaze e um pouco Folk, sua sonoridade logo cativou um público que vira nele mais do que um ídolo, mas um amigo para compartilhar dores em comum. Um ano após seu primeiro disco, Fernando volta para mais um empreitada e, como lhe é de costume, não nos entrega apenas um disco de canções melancólica, mas um labirinto bem construído, cuja saída é extremamente bem recompensada.

Desde Que O Mundo É Cego é um trabalho traiçoeiro que nos seduz de uma forma bastante peculiar. A capa intensa e escura e os primeiro acordes reverberados com vocais duplos nos fazem acreditar que este seria mais um trabalho do estereótipo do Rock Triste, com uma carga de sofrência pesada e um apego Lo-fi. Mas Fernando é muito mais esperto, e isso acaba sendo uma armadilha inversa na qual o resultado é algo bom. O quarto escuro é a introspecção do compositor, lugar de onde ele assiste a realidade e faz suas anotações.

Mas o fato de haver uma janela clara revela uma intenção escondida. Uma que mostra que o remoer de sentimentos e emoções que ele produz dentro de sua mente tem um propósito: de encarar a realidade e trazer esperança. Isso fica claro na sonoridade do disco, que deixa um pouco de lado as baladas Emos e cede espaço para um Shoegaze expansivo e que mostra caminhos novos. Caminhos estes que não se sabe se Fernando os toma ou ignora, mas estão lá.

O primeiro momento em que somos confrontados que esta sensação mais leve e de epifania é na segunda faixa, Impulso Para Voar, abusando reverbs e delays e falando sobre o estado da contemplação, no qual não sabemos se vamos em frente ou apenas ficamos estagnados com este contemplar. Enxaqueca pode parecer uma recaída, mas, dentro desta narrativa de esperanças, ela acaba funcionando como se Fernando se recuperasse daquilo que o deixou estagnado no momento anterior.

O poderoso single Futebol (Colônia de Férias) é uma das tentativas de voar, tentando se ajustar à nova realidade sem deixar de lado seu passado (como se fosse parte da proposta seu primeiro disco Andando Sem Olhar Pra Frente). O Pedrão brinca com barulhos e camadas de guitarra/violão na tentativa de ilustrar um dilúvio de pensamentos. Por fim, Meus Planos São Como Nuvens é o capítulo final no qual há a contemplação final das possibilidades, momento no qual fica a dúvida remanescente: os planos são como nuvens porque eles estão distantes ou porque Fernando alçou o vôo que planejara?

Fernando Motta produziu aqui mais uma traquinagem em prol de nos entregar um disco que transcende a lamúria e lamentação. Neste disco, temos dúvidas a todo instante, mas são exatamente elas que nos fazem permanecer atentos à narrativa do jovem compositor. As músicas com temáticas mais melancólicas são um combustível para que Fernando alcance um dos voos mais belos produzidos pela Geração Perdida. Fomos enganados novamente por Fernando, e isso é fantástico.

(Desde Que O Mundo É Cego em uma faixa: Futebol (Colônia De Férias))

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BOM PARA QUEM OUVE: El Toro Fuerte, Mineral, Slowdive

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique