Resenhas

Fiona Apple – Extraordinary Machine

Insatisfação da gravadora, vazamentos em uma época pré-streaming e, com talento e imaginação, o domínio da feroz máquina da indústria musical

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Ano: 2005
Selo: Clean Slate / Epic Records
# Faixas: 12
Estilos: Alternativo, Pop Rock
Duração: 50’
Produção: Mike Elizondo, Brian Kehew, Jon Brion

Vamos voltar a 2005? Não são muitos os álbuns que têm uma história turbulenta como essa. O terceiro registro de Fiona Apple foi finalizado em maio de 2003 com o produtor Jon Brion, que já havia trabalhado com ela em When The Pawn… seis anos antes. Mas o primeiro disco do novo milênio não parecia ser suficiente para as grandes cabeças da Sony Music. Inclusive, até mesmo de acordo com Brion, “Extraordinary Machine não possuía possíveis hits”. E, do lado de lá, os fãs dstavam sedentos por um retorno triunfal, com resultado igual ou superior ao que foi mostrado nos dois primeiros discos.

Frente ao impasse, Fiona recomeçou algumas composições e foi aí que as coisas começaram a ficar mais complicadas. 11 músicas com a produção de Brion foram vazadas online e a cantora, imediatamente, interrompeu todo o processo, emaranhando ainda mais os nós que impediam a finalização da obra. O lançamento original, do qual estamos falando, teve a contribuição do americano Mike Elizondo, multi-instrumentista e produtor confortável com o mundo do Hip Hop, que já trabalhou com Dr. Dre, 50 Cent, Eminem, Twenty One Pilots, e por aí vai. Soma-se ainda uma pitada bem servida de angústia nas composições. Fiona escreveu grande parte de Extraordinary Machine após se separar do diretor Paul Thomas Anderson.

Então, qual é o resultado final de tudo isso? Uma obra escorada em separações, maturidade e experiência. Dizem que este é o menos resolvido ou até o pior álbum da cantora norte-americana. E, de fato, se você parar para analisar uma obra com tantos pontos altos, pode até ser verdade. Mas, 15 anos depois, a sensação que fica não é nada frustrante.

Extraordinary Machine é acolhedor e permite que sua imaginação flutue a cada audição – seja pela primeira ou incontável vez. E aqui, a proposta funciona como um loop: ouvir, ouvir e reouvir. As palavras e melodias também se relacionam à ideia de repetição e eterno retorno. “Red Red Red” é um ótimo exemplo: “I think if I didn’t have to kill, kill, kill, kill, kill, kill myself doing it / Maybe I wouldn’t think so much of you.” Os caminhos imaginativos também são trilhados pela vibrante “Get Him Back”, por meio do mood de “O ‘Sailor”, no belo toque de Blues em “Better Version of Me” ou até na tranquila e singela “Window”. Ainda há espaço para ótimas pirações de Brion: o álbum abre e fecha com canções que trazem assinatura em tintas fortes do produtor, a faixa-título e a peculiar “Waltz (Better Than Fine)”. Ambas mostram ritmos nada convencionais e orquestrações carregadas, que o produtor arrematou ao lado de Rufus Wainwright e Badly Drawn Boy.

Liricamente, esse é um dos melhores fluxos da compositora. Extraordinary Machine é inteligente, angustiante e, digamos, irritante. Bate de frente com parte dos fãs e, em especial, com todas as apostas e todos os entraves – não ter um “hit” ou o vazamento de músicas em uma época sem streaming. Estimulado por uma espécie de teimosia – mas aquela que traz resultados –, o disco faz jus ao título: mostra uma artista que combina flexibilidade e convicção para domar a extraordinária máquina que é a indústria musical.

(Extraordinary Machine em uma faixa: “Red Red Red”)

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ARTISTA: Fiona Apple