Resenhas

Fiona Apple – The Idler Wheel…

Sete anos de espera e um clássico que combina melancolia e explosões – tudo colado por uma musicalidade singela e arrebatadora

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Ano: 2012
Selo: Epic
# Faixas: 11
Estilos: Art Pop, Pop Alternativo, Jazz, Indie
Duração: 45'
Produção: Fiona Apple e Charley Drayton

Fiona Apple é uma artista que, desde a estreia com Tidal (1996), não obedece às regras do mercado da música ou qualquer tipo de convenção e “conselho” da indústria. Contrariando a lógica de um disco a cada dois anos, ela leva o tempo que for necessário para lapidar seus álbuns. No caso de The Idler Wheel… (2012), a espera foi de sete anos.

Na época, o trabalho foi indicado ao Grammy de Melhor Álbum Alternativo, e, no imaginário popular, dividia o coração de amantes da música e fissurados da cultura Pop com trabalhos populares – e impulsionados ainda pela ideia irresistível de novidade – de Frank Ocean (Channel Orange) e Kendrick Lamar (good kid, m.A.A.d city). Mesmo assim, o incrível registro se destacou na época por um simples fato: ninguém compõe como Fiona. Nos três discos anteriores, a artista havia trabalhado com os produtores Jon Brion e Mike Elizondo e, para The Idler Wheel, optou pela produção lado do baterista Charley Drayton. O resultado foi o mais acústico de sua carreira – piano, percussão experimental e vocal seco.

A artista consegue flutuar pelo Jazz, traz flows inspirados no Rap, passa pelo Blues e adiciona pitadas de Folk. O resultado soa original, visceral e intenso. Seus poemas romântico-terapêuticos são musicados em baladas melancólicas e poderosas. A brincadeira de palavra puxa palavra é uma característica marcante de sua carreira e aparece aqui de forma incomparável. Para começar: o longo título de 23 palavras (The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do), uma forma de dizer para prestigiarmos as nossas engrenagens internas, em detrimento ao uso de ferramentas exteriores. Destaca-se também a excepcional “Hot Knife”, cheia de nuances e ritmo, com tambores cerimonialistas, voz duplicada e refrão acelerado.

A indefinição certeira de Fiona faz com que críticos musicais do mundo todo tentem comparar sua arte com nomes como Joni Mitchell e Kate Bush. Até mesmo sugerem diálogos com o experimentalismo de Yoko Ono. Há ainda paralelos com a poética de Nick Cave, e influências de Billie Holiday e Ella Fitzgerald. A escola que Fiona fundou durante a segunda metade da década de 1990 fez – e ainda faz – muitas alunas que alargam a sonoridade da música Pop. Ela reverbera em  St. Vincent, Feist, Regina Spektor, entre muitas outras.

O início da década 2010 foi marcado pelo uso de sintetizadores, graves pulsantes e camadas eletrônicas. Ela? Dirige na contramão. A artista se distancia das tendências musicais para encontrar seu lugar como uma compositora de vanguarda. Afinal, quantos elementos são necessários para criar uma identidade musical?

No caso de Fiona, essencialmente: as letras, a voz e o piano. As canções são enriquecidas com texturas adicionais, de palmas a som ambiente. Se a internet popularizou o ASMR no final da última década, esse disco fez primeiro e é possível escutar um tipo de pisada na terra no fundo de “Periphery”. Pode ser qualquer outra coisa. O ritmo passa a ser marcado com uma percussão indecifrável e acompanha o vocal robusto e as linhas fluídas de piano.

A instrumentação ganha camadas extra com estes detalhes, deixando seu vocal versátil ainda mais brilhante. Quase como em uma brincadeira de criança, tudo que faz som poderia vir a calhar na produção das faixas. Em “Regret”, uma das mais intensas do álbum, as notas do piano aparecem acompanhadas de batidas que progridem até uma espécie de clímax. Dosando melancolia e explosões, Fiona coloca seu interlocutor na parede e pergunta se ele se lembra quando questionou a razão de tanta maldade. Algo admirado pelos fãs e pelos críticos: a coragem da artista. Seja em explorar sons não convencionais ou dar nomes aos bois. Sua atitude destemida parte da introspecção, e, ao mesmo tempo, reconhece que sua arte só é possível quando está em contato com o outro. São experiências passadas, traumas de relacionamentos e os lugares obscuros que preenchem a mente de ideias autodestrutivas.

Desde jovem, a cantora sabia que o único caminho para enfrentar os medos e a insegurança é se permitir sentir de tudo – as coisas boas, as ruins e as que trazem medo. Na faixa de abertura, “Every Single Night”, sua voz passeia pela fragilidade e pela assertividade. Ela canta: “Every single night’s a fight with my brain”/ (Toda noite tem briga com minha cabeça). A maneira que encontrou para viver passa, necessariamente, por um processo rigoroso de autoanálise.

Os momentos de ternura, como no refrão de “Valentine”, “I root for you, I love you” (Torço por você, te amo), são equilibradas com boas doses de realidade. Na canção, ela fala também que conseguiu participar de um jantar, mas as suas lágrimas dão tempero extra a qualquer prato. A faixa a seguir, “Jonathan”, é “dedicada” ao ex-namorado, o escritor Jonathan Ames. A balada quase romântica fala sobre vivências de um casal, afinal, todo mundo possui relacionamentos passados. “If she’s a part of the reason you are how you are / She’s alright with me” (Se ela é uma das razões por você ser quem você é/ Tudo bem por mim).

A canção a seguir, “Left Alone”, começa com uma percussão isolada, ganha um ritmo jazzístico e centraliza a questão essencial de Fiona. “Como posso pedir para alguém me amar / Se tudo o que faço é implorar para ficar sozinha”. Ao longo das 11 faixas, a artista dá voltas e voltas que evidenciam a dialética: o desejo de ser reconhecida Vs. a comodidade da solidão. Em “Warewolf, enxerga-se como uma ilha, distante de tudo e de todos.

A última faixa, a melancólica “Largo”, amarra a sua tese. Com menos de três minutos, soa crua. Piano e voz ao fim da noite. A cantora passa de bar em bar e passa uma falsa pessoalidade ao citar nomes (Flanny, Ellen, Sean, Bob, entre outros), porque sua angústia é incurável. “Handle me like family and that’ll be enough/ To keep me from drying when I want to die”(Me trate como família e isso será o suficiente/ De me impedir de morrer quando eu quero morrer). Ela parece, afinal, continuar viva graças aos outros – namorados, amigos, família ou fãs.

(The Idler Wheel.. em uma faixa:  “Anything We Want”)

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ARTISTA: Fiona Apple

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