O corpo é central na obra de FKA twigs. Desde cedo em sua carreira, a dança e a performance foram suportes extremamente potentes para dar forma e expressão à sua sonoridade autêntica. Em tempos em que o pop era dominado por um maximalismo dubstep/EDM, a artista optou por uma linguagem muito mais silenciosa e precisa – confluindo equilíbrio e performance vocal no espiritual e introspectivo EP1 (2014), lançado com vídeos de danças em meio a templos e florestas. Era claro que FKA twigs definitivamente estava preocupada com coisas mais profundas do que timbres escancarados e grandes explosões. Com o lançamento de LP1 (2014) e MAGDALENE, seu primeiro disco de estúdio, ficou ainda mais evidente que o fenômeno que interessa a FKA Twigs diz respeito às manifestações corporais estimuladas por música, sentimentos e imagens. Mesmo em seu lançamento mais pop e dançante, a mixtape CAPRISONGS (2022), há uma nítida disposição da artista em tornar o radiofônico o menos óbvio possível – resultando em hits que a colocaram em uma categoria para além de “diva pop lado B”.
No entanto, ainda que o corpo seja central na conceituação de sua obra, ele não precisa estar inteiro para ser representado. O lançamento de EUSEXUA, seu terceiro disco de estúdio, nos traz essa perspectiva. O neologismo que batiza o trabalho significa, segundo a própria artista, “a sensação de ficar tão eufórico que alguém poderia transcender a forma humana”. Assim, FKA está interessada naquilo que parte do próprio corpo e o extrapola. Musicalmente, o conceito se expressa a partir de uma intensa pesquisa com a música eletrônica (drum ‘n’ bass, techno, trance, jungle…), porém reestruturada e entrecortada de diferentes maneiras. A artista não está tão preocupada em mostrar essas referências em sua forma bruta, mas em superá-las em termos de experimentação – a ponto de a construção musical e visual soar tão amorfa quanto familiar. O caráter experimental da sua paleta de timbres reflete um desejo de explorar novas sensações, ignorando formas prévias de representação. De certa maneira, FKA dá o próximo passo natural em sua obra, porém de uma forma menos introspectiva e mais expansiva.
Para representar a sensação de sair de seu próprio corpo, o disco nos conduz por diferentes paisagens da música eletrônica. “Girl Feels Good”, por exemplo, recorre ao downtempo da década dos anos 1990 90, com timbres que evocam a era Ray of Light, de Madonna. “Drums Of Death”, por sua vez, imprime a força do ritmo amplificado por glitches e efeitos digitais, quase como se “Rhythm Nation”, de Janet Jackson, tivesse sido escrita no ano 3000. Em “Room of Fools”, o êxtase de batidas rápidas, somadas a referências de electro rock e techno, toma conta de nosso corpo. Menos desconstruída, a faixa “Childlike Things” traz um house energético juntamente com uma cadência divertida de voz, em parceria com North West, filha de Kanye. Em alguns momentos, FKA se permite deslizar por diferentes subgêneros musicais na mesma música. “Striptease” é o exemplo magistral dessa fusão bem-sucedida entre trap, jungle e drum ‘n’ bass. Por fim, “Wanderlust” encerra o disco em uma apoteose, unindo toda a emoção da performance vocal de FKA a um instrumental profundo e tocante.
Em EUSEXUA, a sensação extracorpórea é construída nos mínimos detalhes – da refinada pesquisa estética/sonora à elaboração da identidade visual. É uma amostra não apenas da ambição, mas do comprometimento de FKA twigs com sua visão do que significa performance, na qual a forma dos sentimentos e emoções corporais pode ser revirada e reestilizada segundo nosso prazer. Por meio de uma música enérgica, FKA Twigs redefine normas corporais do pop.
(EUSEXUA em uma faixa: “Drums Of Death”)