Resenhas

Flora Matos – Eletrocardiograma

Novo disco da rapper brasiliense é um retrato minucioso e complexo de um processo doloroso

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Ano: 2017
Selo: Independente
# Faixas: 12
Estilos: Hip Hop, Trap, Soul
Duração: 38:24
Nota: 3.5
Produção: Flora Matos, Iuri Riobranco, Willsbife, Sants e Nave

Um coração partido é uma experiência verdadeiramente transformadora. Sete anos após seu último lançamento, a mixtape Flora Matos vs. Stereodubs, a rapper e produtora brasiliense Flora Matos decidiu colocar em ordem o gigantesco fluxo de pensamentos que acumulou neste intervalo de tempo, oriundo de eventos marcantes em sua vida pessoal. Dentre eles, Flora comentou ter passado por um grande processo de separação e aceitação após o término de um relacionamento bastante desgastante. Entretanto, ao contrário do que o senso comum pode sugerir, a obra que se originou desta exaustiva odisseia mental não se encaixa dentro daquele conceito “fossa” que nomes como The Smiths e Keaton Henson nos ensinaram a apreciar. Flora criou aqui o relato de um processo duro que, ao invés de pô-la mais para baixo, a reergueu e certamente pode fazer o mesmo com alguém que se identifique com o contexto relatado.

Dar o nome de Eletrocardiograma a um disco significa atrelar uma grande responsabilidade à respectiva obra. Estamos diante de leituras precisas de um coração exausto após cinco anos de uma sequência de episódios exaustivos para a rapper. É curioso perceber que, ao mesmo tempo que o álbum é o relato de uma narrativa, ele também funcionou como ferramenta terapêutica para que Flora pudesse lidar com isso da melhor forma possível. Em entrevista recente, ela chegou a comentar que não tinha a intenção de compor um trabalho sobre o amor, mas que, naturalmente, suas rimas e músicas foram abordando este tema e, no fim do processo, ela resolveu assumir este tema como central de seu lançamento. Dessa forma, a artista tece conclusões duras mas que a trazem alívio durante este processo. Talvez esta última seja a palavra chave para entender o disco, justificando a ordem das músicas como uma linha de acontecimentos e pensamentos que traduzem a história deste coração.

Abrindo o disco com força total, Perdendo o Juízo nos situa no começo de toda esta narrativa, com o ponto de vista da outra pessoa do relacionamento. Já Parando As Horas é um híbrido de Dub e Trap que ilustra o começo das dúvidas, no qual Flora admite que não foi programada para jogar o jogo desse cara, mas que conta as horas para o ver de novo. O Jeito traz a sensualidade R&B a favor da manifestação do amor pleno, mas Não Vou Mentir começa a mostrar mais claros os tons de quase arrependimento e as análises mais minuciosas de atos aparentemente inocentes que se revelaram o começo do fim. 10:45 já introduz uma nova personalidade de Flora, a que já percebe a realidade da incompatibilidade e começa a tecer planos sem esta pessoa. Já encaminhando para o fim, temos as faixas mais introspectivas do disco, revelando sonhos e processos íntimos de autoconhecimento a favor da mudança, ou o famoso processo de “tocar a bola para frente. Deste trecho final do disco destacam a suingada Sonhos Gangsta, a belíssima e acústica Como Faz e a derradeira cartada final Preta da Quebrada que conta com trechos da monja budista Márcia Bajja.

Assim, Flora Matos nos entrega um trabalho sincero e que não tem a pretensão de ser um guia para lidar com o coração partido, embora certamente exercer esta função. A rapper põe tudo de si nessas letras que transmitem com firmeza a dureza de terem sido aprendidas. Além de bem produzido, é um álbum que traz uma investigação muito minuciosa deste processo e que, certamente, é um diferencial dentro do Hip Hop brasileiro.

(Eletrocardiograma em uma faixa: Não Vou Mentir)

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BOM PARA QUEM OUVE: Lay, Lurdez da Luz, Tássia Reis
ARTISTA: Flora Matos
MARCADORES: Hip Hop, Soul, Trap

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique