Resenhas

Florence + The Machine – Dance Fever

Ainda que com momentos expansivos, quinto disco da banda britânica tem bem-vinda aura “Lado B” e Welch alternando entre sua face mais autoral e o experimentalismo

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Ano: 2022
Selo: Universal Music
# Faixas: 14
Estilos: Indie, Art Pop, Indie Pop
Duração: 47'
Produção: Dave Bayley, Doveman, Florence Welch, Jack Antonoff e Kid Harpoon

Na semana do lançamento de Dance Fever, Florence Welch foi convidada a participar do programa norte-americano The Tonight Show, do comediante Jimmy Fallon para três quadros. Em um deles, ela foi entrevistada e, com grande timidez, com direito a inconscientemente levar a mão ao rosto diversas vezes, contou sobre o início da carreira, tudo em meio ao desconforto de estar sob os holofotes e em frente às câmeras. Em outro, ela participou de um quadro cômico ao lado para cantar “Margaritaville”, sucesso de Jimmy Buffet de 1977, ao lado do próprio músico, com relativamente menor timidez que na entrevista, mas ainda no mesmo desconforto, meio “peixe fora d’água”. Por último, ela teve a chance de subir ao palco e cantar “My Love” ao lado de seu Florence + The Machine, com direito a um cenário Art Déco como no videoclipe e toda aquela expressividade que já conhecemos de seu trabalho. Enfim, ela estava à vontade no programa.

Essa situação televisionada foram alguns breves minutos em uma carreira que já alcançou a marca dos 15 anos na estrada, mas parece ser também uma breve janela para entendermos algumas das nuances do trabalho de Florence, principalmente neste que é seu quinto álbum e sua personalidade musical já está consolidada ao ponto de existir uma sonoridade Florence + The Machine que não é só facilmente mimetizada (seja como referência ou mesmo como paródia), mas também esperada de seus disco. Dance Fever cumpre a expectativa, mas revela, talvez melhor que qualquer um de seus anteriores, a artista que tampa o rosto diante das câmeras na TV.

Descrever Florence + The Machine é sempre destilar superlativos e evocar grandiosidades inevitáveis nas escolhas de palavras – seja pela potência de sua voz, o nível de dramaticidade ou mesmo o intenso volume percussivo de suas músicas. No novo álbum, as músicas lançadas anteriormente prepararam terreno para sua chegada ao matar a saudade do público dessa personalidade herdada de singles como “Shake It Out”, “What Kind of Man” e, é claro, “Dog Days Are Over”. É difícil escutar a energia sempre crescente de “King”, a força confessional de “Free” ou a emoção tão palpável nos vocais da dançante “My Love” e não inseri-las imediatamente nesse universo estético e temático que já conhecemos tão bem.

Mas é aí que reside esta que talvez seja a maior característica de Dance Fever, ao menos na comparação com os álbuns com que divide a discografia da cantora/banda: o que fica da audição da obra como um todo não é a expansividade dessas faixas, mas uma aura de “Lado B” que paira sobre a maioria das outras. Florence Welch nunca pareceu tão autoral por um lado, experimental pelo outro, ao trabalhar momentos ora minimalistas, ora de sons muito espaçados – ou até mesmo silenciosos – ao longo do repertório. A fragmentada e errante “Heaven Is Here”, outra música lançada antes do disco, acabou por ser o single que melhor descreveu o disco, embora tenha sido ofuscado pelos outros lançamentos, todos muito mais convencionais (não só em termos de mercado).

Se Dance Fever pode estranhar, ou mesmo afastar, alguns ouvintes que vieram atraídos por seus hits, é o tipo de trabalho que deve encantar em cheio os fãs que vieram experimentar aquela Florence + The Machine de sempre e encontraram uma versão que, mesmo inegavelmente vinda do mesmo DNA, ousa ir na contramão do que um grande público espera dessa “marca” – e que destoa também da maior parte dos lançamentos atuais que tentam (veja só) alcançar aquela mesma expansividade extravasante e catártica na qual Florence é tão fluente. É hora de ser ainda mais humana do que antes, mais vulnerável e até frágil, como aquela da entrevista na TV. Na música, ela é gigantesca, mesmo – ou especialmente – quando canta sua fragilidade.

(Dance Fever em uma faixa: “Heaven Is Here”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.