Emily Sprague é uma dessas compositoras que põe a gente pensando na vida. Com sua banda Florist, nos induz a pensar na música como artesania, evocando a dedicação de alguém ao elaborar um arranjo floral, no qual o trabalho manual, o senso estético e o ritmo lento se unem em um propósito que foge às exigências produtivas do mundo contemporâneo. Herdeiros do Indie Twee – que talvez tenha Belle and Sebastian como patrono principal –, Florist elabora sua postura introvertida diante do mundo com arranjos musicais doces e letras evocativas.
Jellywish, o quinto álbum da banda, propõe a música como um momento de meditar e elaborar a experiência do mundo exterior dentro do próprio corpo. Sprague já mencionou várias vezes em entrevistas uma experiência quase-morte que enfrentou, quando quase foi atropelada andando de bicicleta, e como isso moldou a sua maneira de ver o mundo, quase como se, a partir de então, fosse capaz de enxergar através dos poros da realidade, visualizando o que conecta o mundo concreto com o lado de lá da existência, e, enfim, caminhando por essa fronteira que não possui um limite muito definido entre o mundo concreto e o inefável.
Jellywish é mais uma elaboração desse tema, trazendo no seu título a água-viva – “jellyfish”, em inglês –, um ser ancestral e transparente, dotado todavia de uma biologia complexa e fascinante, quase como uma manifestação física de um ser que habita o limiar de duas realidades distintas. O título ainda dobra a aposta neste imaginário ao misturar a palavra com outra, “desejo” – “wish”, em inglês –, um sentimento também ele invisível, mas muito concreto, denotando anseio ou carência consciente; querer, vontade, e assim por diante.
Musicalmente, Jellywish abandona o aspecto experimental do seu álbum anterior, o autointitulado Florist (2022), com ambiências e ruídos abstratos dando lugar a canções mais convencionais. Com guitarras cristalinas, violão de aço, uma voz suave e uma bateria delicada soando sempre agradáveis e conscientes, Florist costura canções que lembram as bandas contemporâneas lideradas por Adrienne Lenker, Allegra Krieger ou Hannah Read.
Amparado pelo selo Double Double Whammy, Jellywish atualiza o folk da banda em um álbum muito bem-vindo num mundo abarrotado de ansiedades, ao elaborar questões existenciais de maneira suave, amparada por uma roupagem mais pop e ensolarada doque antes.
(Jellywish em uma faixa: “Jellyfish”)