Resenhas

Flying Lotus – Until The Quiet Comes

Quarto disco do produtor é mais acessível, mas igualmente inovador e moderno, diminuindo cada vez mais as fronteiras entre o Jazz e a música Eletrônica

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Ano: 2012
Selo: Warp
# Faixas: 18
Estilos: Eletrônica, Jazz, Hip-Hop
Duração: 46:42
Nota: 4.5
Produção: Flying Lotus

Poderíamos muito bem resumir Steven Ellison como o sobrinho neto da pianista Alice Coltrane, esposa do lendário jazzista John Coltrane. Talvez isso fosse necessário quando o mesmo lançou sob o nome artístico Flying Lotus seu primeiro disco em 2006, intitulado 1983. No entanto, quando chega em seu quarto álbum, Until The Quiet Comes, após os elogiadíssimos Los Angeles e Cosmograma, o produtor dispensa qualquer ligação familiar para justificar a sua atenção.

Flylo tem um estilo próprio de conceber a música eletrônica. Mais do que simples batidas, seu trabalho possui uma abrangência de estilos mesclando desde do Jazz até o Hip Hop. O som que esse talentoso produtor faz pode ser definido em duas palavras: moderno e único. A modernidade não vem somente das suas músicas jazzístisticas eletrônicas, um releitura interessante do estilo “pai” dos demais, mas vem também do fato de criar uma música para o modo contemporâneo de escutá-la: com fones de ouvido e fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo. Uma companheira para o cotidiano.

Suas batidas podem ser consideradas aleatórias, no sentido de como as mesmas se comportam e fluem ao longo das músicas. No entanto, um olhar mais atento nos permite concluir que não se trata de aleatorieadade, mas de uma grande “improvisação ordenada”, algo que seu passado musical familiar enraizado no Jazz parece tê-lo ensinado. Quem viu o seu show no Sónar São Paulo deve concordar com isso.

Em Until The Quiet Comes, vemos isso mais claramente ao nos depararmos com sua obra mais acessível, mas igualmente profunda, algo já demonstrado em seus trabalhos anteriores. Temos 18 músicas com uma média de dois minutos cada e que funcionam muito bem de forma independente, ou seja, a ordem das mesmas pouco importa. Isto ocorre pois as músicas do disco funcionam como sonhos distintos, em que sensações são passadas a cada canção, mas não necessariamente seguindo uma ordem lógica.

Flylo sempre joga diversas camadas sobre as suas músicas como efeitos que lembram os sons pixelados dos videogames, baixos altíssimos em contra tempo e tem sempre uma evolução em cada faixa, com as batidas sendo colocadas aos poucos. Ao final de cada uma, quando está quase explodindo, um corte abrupto faz a próxima música começar logo em seguida. Semelhante a acordar assustado depois de uma noite intensa de sonhos, mas que, ao invés de despertar-se, se chega à conclusão de que ainda se está sonhando.

Temos grandes momentos no disco em que a veia jazzística de Steven parece saltar. A faixa-título traz um baixo eletrônico mas com uma base improvisada, tudo isso misturado a batidas esparsas e que dão um toque moderno ao estilo. Quando o incrível baixista Thundercat faz a sua participação em DMT, criando uma canção suave e sentimental, vemos que o foco do álbum é muito maior do que as simples criação de batidas.

Temos momentos doces e viajantes dentro do disco como me Yesterday\Corded, que inicia-se de forma calma, com um dedilhado em cordas sendo contraposto por um som de chip de videogame que aumenta o tempo da música. Uma voz ecoando faz o ouvinte sonhar antes que este viaje da metade pra frente quando uma quebra de ritmo permite uma evolução psicodélica a música. Milimetricamente perfeita em sua construção, é um dos grandes momentos do disco.

O caráter moderno entre em cena quando músicas que parecem ter sido tiradas de videogames com 8-bits como NES começam a tocar. Cada atmosfera lembra uma fase de um jogo como em Sultan’s Request com seu baixo estridente que denuncia uma batalha com o chefão. Ao final, um Hip Hop pesado demonstra a vitória do “heroi”. Putty Boy Strut com seus sons abstratos no começo e batida constante lembra algum jogo de estratégia bem colorido para o celular, algo que o seu clipe tenta reproduzir.

Toques tribais também passam pelo disco aliados a batidas precisas como em Tiny Tortures e no primeiro single do disco, See Thru To U. Esta, aliás, com a participação da voz plural de Erykah Badu, combina a bateria que soa como uma percussão africana a uma interpretação espiritual feita pela cantora. Sua voz soa como o subconsciente do ouvinte.

Retomando a parceria com Thom Yorke, Electric Candyman põe o vocalista do Radiohead ecoando como um fantasma. Sua voz é, na verdade, mais uma camada dentro da música e procura não exaltar Thom, mas transforma-lo em instrumento na construção de suas batidas. Getting There com Niki Randa, mistura uma voz sexy a uma batida com raízes no Hip Hop, os quais levam o ouvinte a “chegar lá” – no caso, a viagem onírica proposta por Flylo.

Em um mundo cada vez mais interdisciplinar e conectado, Until The Quiet Comes, soa como o companheiro ideal para se escutar música de forma moderna. Não mais sentado à sala, com um disco rolando na vitrola, mas carregando a música no bolso e escutando-a enquanto diversas coisas são feitas, enquanto se vive. Seus toques eletrônicos se misturam a diversos elementos orgânicos, como a percussão ou a improvisação no baixo, e fazem este disco mais uma obra exemplar do produtor. Steven Ellison continua inovando ao programar o jazz para os tempos e ouvintes modernos.

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BOM PARA QUEM OUVE: Thom Yorke, Four Tet, Radiohead
ARTISTA: Flying Lotus
MARCADORES: Eletrônica, Hip Hop, Jazz, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.