Resenhas

Frank Ocean – Blonde

Quatro anos após o sucesso de “Channel Orange”, músico nos entrega o disco que queríamos ouvir

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Ano: 2016
# Faixas: 17
Estilos: R&B, Art Pop, Hip Hop
Duração: 61:00
Nota: 5.0

A obsessão das pessoas em ouvir logo um novo trabalho de Frank Ocean é justificável. Quando um artista consegue falar a língua de uma geração e fazer com que versos e melodias de uma beleza enorme consigam parecer, por um instante, mais próximos aos nossos conflitos cotidianos, é quando a mágica da música acontece. Desde Channel Orange – ou até mesmo antes disso – até Blonde, Ocean vem mostrando o quão consciente é sobre o que significa ser artista hoje. Nossos hábitos mudaram e o enfadonho papo de que temos muita informação pra consumir já substituiu a previsão do tempo como puxador de assunto pra quase todos nós.

Seja lá qual tenham sido os motivos pra esta demora, acabamos tendo tempo pra digerir e dissecar sua visão de mundo e assim nos conscientizarmos de sua importância como porta-voz de temas cada vez mais atuais. O jovem de 28 anos é ativo no Tumblr, tem consciência das mudanças nas relações humanas neste século, lida com conflitos de religião e espiritualidade e se irrita quando tentam aprisionar sua sexualidade em caixinhas pré-fabricadas. Mas, ao mesmo tempo, fala de drogas, carros, festas e faz referências à cultura pop que vão de filmes como Clube da Luta e Beleza Americana a Ferraris e Nikes, passando por basquete e Michael Jackson.

Essa proximidade com um grupo de jovens que tentam encontrar sua individualidade cada vez mais, mas, ainda assim, querem se sentir pertencentes a um grupo com ideias parecidas, é o que deve consagrar Blonde como um dos grandes álbuns desta década. Enquanto no ano passado Kendrick Lamar lançou o disco que precisávamos ouvir, Frank Ocean fez aquele que queríamos ouvir.

Nikes, tanto clipe quanto faixa, representa perfeitamente tudo isso. A música critica o consumismo tanto quanto fetichiza ainda mais tudo isso. O diretor Tyrone Lebon criou um clipe visualmente marcante e que deve influenciar de campanhas publicitárias à estética de outros projetos artísticos nos próximos anos. Ao mesmo tempo que certas imagens ali parecem caóticas e perturbadoras, questionando um certo estilo de vida, tudo tem uma atmosfera cool que muita gente passaria horas tentando reproduzir em suas próprias festas, ou principalmente, em suas imagens das festas. Comportamento inclusive destacado no clipe, no qual podemos ouvir uma voz grave repetindo que existem apenas duas regras “não deixe de tirar fotos da festa” e “não deixe de tirar fotos da festa” – referência à icônica regra do filme/livro Clube da Luta que pregava justamente o oposto, manter o que acontecia ali, apenas entre os presentes.

Nikes inclusive, musicalmente, tem uma presença que não se repete no restante do álbum, sendo a menos discreta entre as 17 que o compõem. Ocean demonstra mais uma vez toda sua consciência sobre o mundo da música hoje e nos entrega um álbum com poucas faixas que se destacam individualmente na primeira audição, mas que com o passar do tempo vão apresentando suas individualidades. Ou seja, é um álbum que precisa de tempo para ser apreciado e será ainda melhor compreendido se acompanhado de toda a experiência multimídia que Frank Ocean tentou proporcionar, com o lançamento de sua revista – que apresenta, entre outras coisas, as músicas e filmes favoritos do músico, que ampliam ainda mais a experiência de ouvir sua obra -, do álbum visual Endless, do clipe de Nikes, das sessões de fotos e de tudo que ainda deve sair como complemento de Blonde.

Entregar uma surra de conteúdo grande assim pede a simplicidade que permeia todo o álbum. Diferente de outros grandes álbuns de Hip Hop recentes, como os de Kendrick Lamar, Kanye West ou Chance The Rapper, os momentos de tirar o fôlego aqui vem de uma guitarra dedilhada, de um piano ou até mesmo de um verso produzido com mais eco, como na bela Skyline To. Essa simplicidade que ajuda a construir uma expectativa para os momentos mais épicos como em Self Control, que termina com um dos trechos mais bonitos e emocionantes que ouvi em uma música nos últimos tempos. A melodia dá todo o destaque para a bela voz de Ocean, que nos inspira a ter vontade de nos tornarmos clichês ambulantes andando a noite numa estrada da Califórnia, sem destino, com os vidros do carro abertos e ao lado de uma pessoa especial.

Essas viagens que o clima do álbum nos leva a ter destacam ainda mais o conceito da hiper-realidade, que o músico trata direta e indiretamente ao longo do disco. Na filosofia contemporânea, hiper-realidade discute a nossa incapacidade de diferenciar o “real” da fantasia, do virtual. Estudo que foi desenvolvido para refletir nosso comportamento diante da popularização da televisão, então imagine como não faz ainda mais sentido com a tecnologia atual. Ocean dá sinais de que vive com frequência esse dilema entre o que é real ou não em versos como “Living so the last night feels like a past life” ou no verso principal de Ivy, “I thought that I was dreaming / When you said you loved me”.

Se tal interpretação parece viagem demais, o interlúdio Facebook Story deixa isso mais evidente. Na faixa, o produtor francês SebastiAn – um grande interessado na hiper-realidade, utilizando em suas apresentações, imagens deprimentes projetadas para provar que naquele ambiente, as pessoas ignoram a realidade para continuar vivendo aquele momento de prazer em uma festa – conta a história de um relacionamento seu que terminou por ele não querer adicionar a namorada no Facebook. Isso a deixou desconfiada sobre uma possível traição, decidindo acabar a relação. Discussões como essa sobre o quanto o virtual se confunde com o real em nossas vidas não poderiam ser mais relevantes.

Blonde tem muito mais escondido embaixo da superfície de suas belíssimas melodias e letras sobre relacionamentos juvenis. Frank Ocean levou anos criando sua própria simulação de realidade, pincelando as referências e as histórias que mais o representam – ou que ele gostaria que o representassem – e as embrulhou numa produção impecável, que consegue criar coesão entre melodias quase que imperceptíveis – influência de Brian Eno, creditado na obra – e outros efeitos que marcam mais presença como a distorção na voz em Nikes, o efeito de voz usado na cover Close To You ou na incrível viagem experimental que é Pretty Sweet. A voz grave dizendo para não deixarmos de tirar fotos da festa lá no clipe de Nikes já nos mostrava que hoje, a distância entre o que somos de fato e o que mostramos para o mundo sobre como somos e o que fazemos está cada vez menor.

Com sua pouca exposição, Frank Ocean consegue ter um mínimo de controle sobre como o percebemos. O que sabemos dele até hoje é quase que só o que ele quis que soubéssemos. Ocean passou os últimos anos questionando ilusão e realidade, sexualidade, solidão, consumismo, identidade e nos entregou essa reflexão mesclando simplicidade e complexidade melódica com naturalidade e nos apresentando uma experiência multimídia completa, cheia de referências. Quatro anos foram suficientes para construir um disco provocador, com participações especiais incríveis – destaque para as de Bon Iver e André 3000 -, influências inesperadas e uma produção que vai marcar época. A bola agora está novamente com ele, pois já queremos mais.

(Blonde em uma música: Self Control)

Ouça o álbum completo no Apple Music.

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BOM PARA QUEM OUVE: James Blake
ARTISTA: Frank Ocean
MARCADORES: Art Pop, Hip Hop, Ouça, R&B

Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.