Resenhas

Geordie Greep – The New Sound

Com narrativas minuciosas e fusões deslumbrantes, disco solo do músico do black midi é uma estreia e tanto

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Ano: 2024
Selo: Rough Trade
# Faixas: 11
Estilos: Rock Progressivo, Jazz, Jazz Rock
Duração: 62'
Produção: Seth Evans

O trio black midi é um desses eventos aleatórios que de vez em quando acontecem na música. Uma banda britânica de rock experimental, muitas vezes rotulada como prog ou avant-prog, que, contra todas as expectativas, atingiu grande notoriedade não só na cena inglesa, como ao redor do globo, com uma sonoridade expansiva e meticulosamente caótica. Após uma bem-sucedida trilogia de discos (lançados entre 2019 e 2022), o grupo anunciou que entraria em hiato por tempo indeterminado; ao mesmo tempo, o vocalista, guitarrista e letrista Geordie Greep deu o pontapé inicial em sua carreira solo com o lançamento de The New Sound, um registro que guarda alguma familiaridade com as obras do black midi, mas que também apresenta o músico (ainda) mais solto e propenso a experimentar novos limites para sua musicalidade.

Greep sempre foi um artista multidimensional. Sua habilidade na guitarra é desconcertante, capaz de construir riffs e linhas melódicas para nenhum fã do prog dos anos 1970 botar defeito. Mas, para além de um guitarrista habilidoso, Geordie é um letrista e vocalista bastante incomum. Se com o black midi ele já criava cenários e personagens bastante vívidos, em The New Sound, sua voz autêntica ganha espaço para criar mundos mais complexos, em contextos quase teatrais e povoados por personalidades excêntricas percorrendo suas narrativas ambíguas. Suas letras exploram de maneira peculiar e verborrágica os traços mais estranhos do que nos torna humanos, adotando uma estética distorcida e sempre provocativa.

Se as letras do Greep no black midi pendiam para o lado do caos e do surreal, aqui elas parecem refletir temas pouco mais contidos (ainda que o surrealismo caótico continue dando a tônica das canções). O foco está em questões mais intimas e vulneráveis, quase sempre apresentando personagens mergulhados em histórias de fracasso, desespero e autoengano – por vezes, tendo o poder e sexo como muleta para enfrentar as adversidades. Menos distante e alegórico, seu lirismo soa mais relacionável, ainda que o contexto em que essas ideias nos são apresentadas sejam completamente malucos.

Personagens quebrados e desiludidos são o coração deste trabalho. Em faixas como “Through A War”, Greep cria narrativas minuciosas, como a de um veterano traumatizado que abandona tudo pelo amor verdadeiro, porém acaba sozinho com uma amarga lembrança e um caso de sífilis. Em “As if Waltz”, o narrador se refugia em uma fantasia de amor e conexão, mas seu mundo real é dominado pela humilhação e pelo isolamento. Já em “Holy, Holy”, ele assume a voz de um personagem fanfarrão e arrogante, que espera a adoração das mulheres e acredita na própria grandeza com uma convicção quase patética – porém, as expectativas são quebradas ao se revelar que a atenção feminina que ele recebe só existe enquanto ele paga essas mulheres. São protagonistas distorcidos e retorcidos, retratados por meio de um humor mordaz e que explora com muita acidez a toxicidade, fragilidade e narcisismo dessas figuras masculinas.

A instrumentação de The New Sound é outro ponto que reflete essa nova fase de Greep. Por mais que haja, sim, semelhanças com o que o black midi fazia, há também muitos elementos novos. Parte da obra foi gravada no Brasil com instrumentistas brasileiros, o que adiciona ritmo e cadência únicos para o projeto, principalmente em músicas como “Terra” e “The New Sound”, que se aproximam do samba e da tropicália. Além do prog, temos aqui elementos da MPB, jazz, salsa e pop barroco (à la Frank Sinatra, que inclusive ganha uma homenagem com o melodramático cover de “If You Are But a Dream”) expandindo a paleta sonora do músico e trazendo influências inesperadas para obra. O resultado é uma obra vibrante em que cada música cria para si um microcosmo – ora contido, ora extravagante.

Musicalmente, Greep explora todos esses elementos com uma abordagem ainda mais solta e fluida – o que talvez não conseguisse fazer como um terço do black midi. Em “Motorbike” (faixa que tem Seth Evans nos vocais), o álbum adentra territórios dissonantes e perturbadores, com a combinação de um piano sombrio e o experimentalismo roqueiro criando uma atmosfera tensa e caótica. Já “As If Waltz” consegue mesclar um groove quase disco com elementos do pop barroco, em uma faixa que oscila entre o leve e o trágico. No auge emocional do álbum, “The Magician” (passando da marca dos 12 minutos de duração) revela a capacidade de Greep para compor uma jornada sonora profunda e melancólica: as camadas de cordas, a progressão dramática e os crescendos orquestrados elevam a canção a um épico lírico e instrumental.

Há uma conexão perceptível com o ecletismo de Frank Zappa (principalmente em sua fase dos anos 1970), durante um repertório que celebra a fusão de gêneros e a liberdade máxima de quem não tem medo de experimentar. A destreza instrumental e a riqueza nos arranjos tornam The New Sound cativante – daqueles álbuns que quanto mais você se dedicar a escutá-lo, mais ele vai lhe recompensar.

(The New Sound em uma faixa: “Holy, Holy”)

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ARTISTA: Geordie Greep

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts