Resenhas

Gilberto Gil – OK OK OK

Mais recente disco é uma prova de que Gilberto Gil não precisa nos surpreender para nos deslumbrar e escutá-lo, mantendo suas características essenciais, é um privilégio

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Ano: 2018
Selo: Geléia Geral
# Faixas: 15
Estilos: MPB
Duração: 55'
Produção: Bem GIl

OK OK OK é a entrada número trinta e tantos na discografia que Gilberto Gil construiu em cerca de 60 anos de carreira. Diferente DE lançamentos de músicos e cantores em patamares mais, digamos, “humanos” do que este que é uma das maiores lendas vivas da arte brasileira, o álbum chegou sem qualquer expectativa que não fosse a da musicalidade já tão apreciada, acima de validações de crítica ou público. E é isso o que ele entrega: Gilberto Gil.

Gil é de uma lírica sublime. A mesma mente que escreveu “Refazenda”, “Drão” e tantas outras preciosidades do cancioneiro popular contemporâneo revela-se presente na cadência dos versos, na escolha de palavras e na quantidade de significado em cada estrofe. A faixa-título inaugura a obra com aspecto metalinguístico, com seus “Substantivos duros de roer” para concluir que “Palavras dizem sim, os fatos dizem não”. De imediato, ele esclarece o propósito da obra, que chega em meio a clamores por sua opinião. Mas o que ele tem a oferecer é poesia, e é disso que o disco é feito.

Gil é de uma poética simples e referencialmente brasileira. Para quem cresceu ouvindo “Sítio do Pica-pau Amarelo” e afins, é lindo encontrar letras como “Uma Coisa Bonitinha”, “Sereno” e “Lia e Deia”, com suas pequenas histórias sobre a vida em família, analogias com plantas do quintal e aquele nível popular na linguagem no qual o artista é fluente – vide, por exemplo, sua “Andar com Fé”. Ouvir suas composições com as palavras no diminutivo e os substantivos comuns tão cotidianos, é de uma familiaridade acalentadora a brasileiros de qualquer canto.

Gil é sempre espiritual. Não falo de religiosidade ou mesmo de crença, mas de consciências, perspectivas e sensações que são além do plano físico que percebemos com os cinco sentidos, ou com a razão objetiva. E OK OK OK parece ter sido escrito tendo em mente uma das maiores experiências que a vida humana é capaz de ter: a de acompanhar filhos e netos em seus desenvolvimentos. Muito mais do que afeto e cuidado, as letras, interpretação e arranjos dão conta de comentar o que se entende no subjetivo – e o amor, em suas tantas formas, é protagonista nesta sua narrativa.

Gil é reggae, Gil é rock, Gil é MPB e tantos outros indicativos de estilo – até porque é só na soma de tantos fatores que se comunica mensagens maiores xo que meras classificações. Essa variedade confere também um grande dinamismo para a quase uma hora de disco, distribuída ao longo de 15 faixas. A cada mudança de uma música para outra, há uma surpresa na direção estética, e nenhuma faixa se assemelha muito a outra na obra – da voz e guitarra em “Prece” ao indie percussivo de baixo forte em “Ouço”.

Gil é atual, sempre. Com seu filho Bem Gil na produção, eles constroem uma musicalidade sob medida em cada uma das músicas, na intenção de montar esses pequenos universos sonoros que elas desenrolam em um tratamento bastante contemporâneo. Os pequenos detalhes que adornam a faixa-título dão ainda mais força aos versos, enquanto o andamento de “Quatro Pedacinhos” dialoga com a complexidade da paixão descrita na faixa, e esses são apenas dois exemplos da cama sonora tão caprichada no disco. As presenças de João Donato, Yamandú Costa e Roberta Sá oferecem contrapontos à interpretação do músico e, mesmo quando remetem a uma MPB tradicional, se nota que a gravação, mixagem e masterização apontam sempre para as sonoridades de hoje.

Gil é Gil, e isso diz muito. OK OK OK é a prova de que, sem precisar surpreender, o mestre sabe nos deslumbrar por completo por ser apenas quem é e fazer o que tem feito há tantas décadas. Escutar esse disco é ser grato por uma obra como a dele chegar aos dias de hoje sem perder suas características essenciais.

(OK OK OK em uma faixa: “OK OK OK”)

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ARTISTA: Gilberto Gil

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.