Resenhas

Gilberto Gil – Um Banda Um

Celebração dançante que bebe do Reggae e da Disco, álbum de 1982 se debruça sobre os mistérios escondidos no dia a dia e as várias possibilidades do amor

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Ano: 1982
Selo: WEA
# Faixas: 11
Estilos: MPB, Reggae
Duração: 44'
Produção: Liminha

Gilberto Gil talvez seja o músico mais místico da música brasileira. O baiano tem suas próprias interpretações de Deus, dos orixás, da beleza inexplicável do universo. Tudo que aponte para a influência do sagrado no cotidiano o fascina e influencia sua obra. Embalado por sons de reggae e músicas dançantes, essa busca pelos mistérios do dia a dia guia o romântico Um Banda Um.

Lançado no início dos anos 1980, quando o Rock nacional e seus sintetizadores tomariam o país de assalto, o álbum chega em um momento em que Gil está fascinado pela música jamaicana e a Disco Music internacional. Depois dos dançantes Nightingale e Realce, ambos de 1979, e do melódico Luar, também produzido por Liminha, Um Banda Um aponta para o mercado fonográfico global e propõe esta comunhão de ritmos com um tempero brasileiro.

“Banda Um” – brincadeira com umbanda – é uma celebração dançante da música nacional, que une do Cariri, no sertão nordestino, ao baixo Leblon, no Rio, que contagia do “negro Zamzibárbaro” à “loura Blumenáutica”. É a Bahia de Gil, que lhe deu régua, compasso e sempre dita seus ritmos ainda que a finalização tenha puxado mais para as influências internacionais do que para os batuques presentes nas primeiras versões de algumas músicas. A animação segue em “Pula, Caminha”, de Marino Pinto e Manézinho Araújo, e “Afoxé É”, que retoma aos Orixás e suas influências na música baiana.

Mesmo mais presentes nas composições, Gil não fecha seus horizontes nas religiões de matrizes africanas. Como bom baiano, sua cabeça está aberta às abstrações e aos mistérios que o mundo revela, ao sagrado contido no cotidiano. Em “Andar com Fé”, com a simplicidade proposital de “andá” e “faiá”– provocação direta às elites brasileiras, já contou – ele mostra que o divino está em todas as coisas: na mulher, no anoitecer, na cobra coral, no pedaço de pão. Como sempre, não se restringe a dogmas e mira no infinito.

“Esotérico” – canção sua gravada originalmente por Gal Costa e Maria Bethânia na turnê Doces Bárbaros, seis anos antes e aqui registrada como um reggae – vai pelo mesmo caminho. Gil não prende o divino a um conceito (“Se eu sou algo incompreensível, meu deus é mais; Mistério sempre há de pintar por aí”) e ainda brinca com relacionamento, tema secundário do disco, no belo jogo de palavras: “Não adianta nem me abandonar; Nem ficar tão apaixonada, que nada; Que não sabe nadar; Que morre afogada por mim”.

Talvez inspirado pela separação relativamente recente da ex-mulher, o compositor registra aqui também duas de suas letras mais bonitas, “Deixar Você” e “Drão”, retirada do nome Sandra. É um Gil despido, romântico, maduro. Nas letras, a reflexão de que grandes amores não terminam de fato, vão para outro lugar, transcendem. “Pra que mentir? Fingir que o horizonte termina ali defronte e a ponte acaba aqui? Vamos seguir, reinventar o espaço”, indaga ele na primeira, sob sax de Oberdan Magalhães e arranjos de Lincoln Olivetti. “O verdadeiro amor é vão, estende-se infinito”, vaticina, na segunda. Afinal, como um grão, o amor “morre e nasce trigo, vive e morre pão”. O amor, claro, não é estático. Se “Drão” fala do fim de um ciclo, este é ressignificado em “Nossa”, em que ele se propõe a se dedicar inteiramente a uma nova relação. “Agora é só decidir; Aonde queremos ir; Armar nossa tenda”.

Este é o disco das mil possibilidades que a vida traz. “Metáfora” clama pela liberdade do poeta, que quando escreve “lata” quer dizer “incontível”, enquanto “Menina do Sonho” busca escavar o que está contido “em meio ao sono pesado” e pode ser revelado pelos sonhos. “Ê Menina”, de João Donato e Guarabira, encerra a obra com a animação (e as referências religiosas) com que “Um Banda” abre.

Um Banda Um é uma celebração animada do baiano ao que a vida tem para oferecer. Está ali o divino, o misterioso, a fé, as várias possibilidades do amor. É um álbum de um Gil sem medo de ser feliz nem de mostrar ao mundo essa felicidade.

(Um Banda Um em uma faixa: “Esotérico”)

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ARTISTA: Gilberto Gil