Resenhas

Glass Animals – Dreamland

Mesmo com pequenas boas surpresas, novo disco da banda britânica cai nas armadilhas da autoparódia e soa deslocado da atualidade

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Ano: 2020
Selo: Polydor Records
# Faixas: 16
Estilos: Indie Eletrônico, Pop
Duração: 45’
Produção: Dave Bayley e Paul Epworth

Há um arquétipo utilizado com frequência em Hollywood, principalmente nos filmes que acompanham um protagonista em sua transição para a vida adulta (um subgênero que eles lá chamam de coming of age). Falo de um personagem geralmente coadjuvante que serve de contraponto na jornada do herói como alguém que se recusa a crescer e aceitar que a vida não é mais a mesma de antes. Talvez ele tenha sido um atleta celebrado no colégio, ou alguém que se deu muito bem em uma atividade da faculdade, por isso ele fica ali, preso no passado, insistindo em ser uma espécie de Peter Pan. E a moral da história sempre é: esse cara está desperdiçando o que a vida pode ser.

Glass Animals é uma banda que muito provavelmente já te fez dançar, ou mesmo te surpreendeu, ali na metade da década. Era uma época em que uma sonoridade Indie que flertava com o peso da música Eletrônica pós-Skrillex influenciou fortemente um novo tipo de Rock que contagiava multidões – pense em Thirty Seconds to Mars, Muse ou mesmo Imagine Dragons, por exemplo. Foi um movimento que impulsionou uma resposta mais Pop, que ora gerou pastiches do naipe de The Chainsmokers, ora caprichou em uma música de certo frescor que sabia mesmo empolgar.

Bem, é claro que a justaposição desses dois parágrafos já te fez entender aonde ruma este texto: à ideia de que Glass Animals insiste hoje, mais de meia década depois, que há valor em um som que já nos cansamos de ouvir há um tempo. E se você curtiu hits como “The Other Side of Paradise” ou “Gooey” outrora, há um incômodo ao chegar até Dreamland e perceber que o álbum tem essa cara de algo que ainda não está distante o suficiente para ser nostálgico, ou, pior ainda, foi repetido vezes demais recentemente a ponto do desinteresse ser o filtro pelo qual ouvimos as músicas.

É uma pena não só pelo potencial que a banda britânica soube aproveitar um dia, mas porque é um disco de cunho bastante pessoal para Dave Bayley, líder do grupo. As músicas foram compostas após ele e seus colegas virem o baterista sofrer um acidente e quase perder a vida, o que fez inevitavelmente com que todos ficassem mais introspectivos. Bayley, que estava indo e voltando da Inglaterra para Los Angeles (onde estava compondo e produzindo para outros artistas), se debruçou nas lembranças de sua infância passada nos Estados Unidos e trouxe suas memórias para as letras e para alguns componentes das músicas, entre timbres e pequenas inserções sonoras que ou remetem aos anos 1990/2000, ou vêm diretamente de gravações de seu acervo pessoal.

Conhecer esse contexto pode tornar algumas vinhetas um pouco mais simpáticas – como ouvir uma criança rindo e pensar que aquele ali é o músico décadas atrás –, mas não sustenta a pequena bagunça genérica que é o disco. Enquanto faixas como “Hot Summer” (que apostam em um clima mais chill despretensioso) sabem agradar com certa discrição, as músicas “candidatas a hit”, aquelas de menor originalidade, são as que mais marcam a audição. Não que “Heat Waves” e “Tangerine” não sejam caprichadinhas, elas funcionam bem em algum playlist de cunho pop, mas se parecem demais com sons vindos de trilhas sonoras em propagandas no YouTube ou séries televisivas que você nem prestou tanta atenção.

Há ainda outro aspecto ainda mais ingrato que, infelizmente, deve ser dito: Dreamland chega em um mundo que lida com uma pandemia que forçou pessoas ao redor do globo a se distanciarem fisicamente umas das outras. Ele traz cores, sorrisos e convites para a dança com letras cujas reflexões destoam da gravidade com a qual tivemos de refletir por todos esses meses. Com todo respeito à dor que Bayley passou ao quase perder seu amigo, não é arriscado pensar que ele mesmo foi submetido a novas perspectivas sobre vida e morte nos últimos meses – que tornam estas um tanto ingênuas.

Mesmo com tantos pequenos detalhes, que aparecem na narrativa de Dreamland como surpresinhas para o ouvinte, Glass Animals não sustenta uma personalidade notável para a obra. É uma música que pode soar diferenciada para quem está apenas habituado ao Pop mais Pop possível, mas desanima o ouvido que escutou a banda há alguns anos e notou o quanto ela seria promissora se ousasse experimentar em um campo menos referencial do mainstream. Acaba por ser um disco anacrônico que não percebe que aquela festa que ele insiste que não acabe nem era tão legal assim.

(Dreamland em um faixa: “Tangerine”)

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ARTISTA: Glass Animals

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.