Resenhas

Grand Bazaar – II

Grupo volta com canções influenciadas pelos Bálcãs e outras referências

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Ano: 2016
Selo: Risco
# Faixas: 11
Estilos: Música Cigana, Jazz Folk, Folk Alternativo
Duração: 42:35
Nota: 3.0
Produção: Grand Bazaar

Lá na escola, o professor de História te disse que a passagem da Idade Média pra Idade Moderna se deu em 1453, quando Constantinopla foi tomada pelo Império Turco-Otomano, lembra? Pois é, aconteceu isso e o que era o antigo Império Romano do Oriente, ou Bizantino, sumiu na poeira da história. E os turcos, felizes da vida, ocuparam a magistral cidade, chamando-a de Istambul pouco depois. Oito anos depois, eles construíram um enorme mercado coberto, chamado de Grand Bazaar, que está de pé até hoje e talvez seja o maior do mundo. O que essa introdução acadêmica diz é que a região da antiga Constantinopla sempre foi uma área que aglutinou muitas influências culturais, vindas tanto da Europa Balcânica – de regiões que correspondem hoje a países como Sérvia, Croácia, Grécia e Macedônia – como do Oriente Médio e norte da África. Não espanta que a cultura seja tão rica e diversa até hoje. Nada mais justo entender esta lógica na hora de analisar o trabalho de uma banda brasileira que pega emprestado o nome deste mercadão para marcar a multiplicidade de seu som. Faz sentido.

Grand Bazaar já lançou um EP homônimo há dois anos e agora retorna com seu primeiro álbum “cheio”, intitulado II. A ideia é a mesma, ou seja, reproduzir essa musicalidade e adicionar algo brasileiro à receita, conferindo algum ineditismo. Sabemos que é legal, entendemos a proposta generosa do pessoal, mas as músicas da região já são alvo de revisão há uns 20 anos, pelo menos. Gente como André Abujamra, Emir Kusturica, Gogol Bordello e Beirut, apenas para ficar nos artistas e bandas mais conhecidos, já mergulhou neste Estreito do Bósforo musical e trouxe novidades e ajuntamentos para o que entendemos por “música dos Bálcãs”. Grand Bazaar, apesar de competente e dedicado, só consegue mostrar novidade quando pisa fundo no chão de terra do nordeste brasileiro, criando, aí sim, algo interessante. Há respingos de Jazz por todo o disco, sons de minisséries globais modernosas e “étnicas” e toda uma abordagem indie-contemporânea, que periga assumir o controle, mas isso não chega a estragar II.

A abertura, por exemplo, trazendo uma versão de Pagode Russo, não é nada original e nos prepara para uma sequência de músicas que poderiam sintetizar uma abordagem à la Teatro Mágico da coisa, mas isso some já na canção seguinte, Palinka, na qual a sanha misturante dos sujeitos inclui um andamento de Reggae por trás de tudo, fazendo a fusão de ritmos e abordagens (ainda tem um pouco de Xote na coisa) soar absurdamente natural. O Amigo Gianotti oscila melancolia e uma levada sinuosa com instrumentos exóticos e um ar de desenho animado. O Tesouro do Gran Marajá tem vocais de André Vac e uma narrativa que mistura história de aventura à la Tintin e referências cearenses. Lembra Karkak, a enorme e sensacional banda que Abujamra liderava nos anos 1990. Ejübarü é propulsionada por acordeons uma levada jazzística sinuosa e interessante, com potencial cinematográfico de sobra.

Após a vinheta Rankaburka, que divide o percurso musical, temos o lirismo de bandolins e cordas de Paixão Nativa, talvez o melhor momento do álbum, que tem um andamento lento e contemplativo bastante bonito, mostrando que neste tipo de composição – instrumental, lento e visual – está o grande barato da banda. Mais tensão de andamentos, cordas, violinos, rabecas e o caos urbano credenciam Bondapest para o lado das boas faixas do disco, enquanto Turba, que vem em seguida, amplia este clima, soando como o momento mais Jazz de II, com mudanças de andamento, solos de metais fora do tom e tudo mais que lembre improviso e liberdade estética. Dervixe Maria segue este caminho acrescentando dinâmica e potencial dançante de maxixe ou carimbó, tudo bem feito e fazendo sentido. Thoth, arábica, esparsa e em câmera lenta, fecha o álbum.

II é um bom trabalho. Grand Bazaar deve ser uma boa banda para se ver ao vivo, quando as canções devem crescer bastante, uma vez que a participação do público deve, de fato, acrescentar mais clima e contraste às canções. Em disco, Grand Bazaar faz de tudo para escapar ao reducionismo de ser “apenas mais uma banda exótica”. Consegue quando ousa e mistura o inesperado às suas criações, do contrário, soa chato e sem sentido. Felizmente, o placar dá vitória apertada a este lado criativo dos sujeitos. Mas é um resultado apertado e com gol nos acréscimos. Pode ser bem melhor.

(II em uma música: Paixão Nativa)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.